APITADELAS - Um artigo de opinião de Jorge Coroado.
Corpo do artigo
Declaração de interesses: enquanto árbitro no ativo cruzei-me com Sérgio Conceição, jogador, umas quantas vezes. Dono de excelsas qualidades técnicas, era inexcedível no empenho, vontade e querer.
Irreverente, porventura por admitir dever respeitar sendo respeitado, jamais exorbitou na atitude e no esguardo.
Em maio de 2010, surpreendentemente, sem razão aparente ou objetiva, dirigiu-me honroso convite para, em festa digna do seu percurso, arbitrar jogo que sinalizou fim de sua carreira e onde juntou nomes como Vítor Baía, Rui Barros, Fernando Couto, João Pinto, Jardel, Mihaijlovic, Almeyda, Di Biagio ou Vieri, Desde então não mais voltei a vê-lo senão nos jogos televisionados!
Confesso sempre ter gostado de jogadores e treinadores com sangue na guelra, expressivos, expansivos e alguma malícia. O futebol encontra beleza no virtuosismo dos praticantes, porém, queira-se ou não, sem garra, luta, bravura, destemor, também palavrório, fica insonso, sensaborão. Enquanto interveniente em espetáculo de massas, fautor de ódios e paixões, sempre fiz por compreender e aceitar a crítica, perceber alterações de ânimo e atitudes extemporâneas que não pusessem em causa dignidade da equipa de arbitragem. Não cauciono exageros comportamentais de Sérgio Conceição, mas expulsá-lo por me apelidar de fraco seria, implicitamente, dar-lhe razão. Que faria se afirmasse ser excelente? Perante tal opinião, como em muitas outras com outros intervenientes, talvez respondesse: "Sim, fraco, porque só e sem apoio dos índios, com eles também eu era forte!" O assunto, seguramente, morreria ali e para o futuro. Só os fracos de competência e de espírito não encaixam opiniões, quando francas!
Poltrão
O saudoso Joaquim Meirim, afirmou um dia: "nas bancadas de um estádio de futebol não se distingue um doutor de um estivador". Disse-o para mostrar como as paixões são indistintas de classes sociais. No fervor de um jogo dizem-se e fazem-se coisas impensadas a par de outras objetivamente insidiosas. Distingui-las, é preciso. Apelidar alguém de fraco, visando capacidade e saberes no desempenho de determinada função, tem tanta ou mais força quanto maior for o conhecimento, quiçá experiência e autoridade moral, de quem apelida. É mais gravoso apelidar o destinatário de poltrão.
Óculos
No dia seguinte a jogo arbitrado no Estádio da Luz, colega de trabalho, com jornal aberto na respetiva crónica, disse-me: "Eh pá, se vir o ladrão do teu colega que arbitrou o jogo de ontem, parto-lhe a tromba. Por causa dele fiquei sem os meus Ray-Ban". A rir, questionando como ficara sem "as gafas" e concedendo licença para fazer o que predizia, disse-lhe estar perante o árbitro. Atónito, refreou ânimo e, após ver ficha do jogo, explicando que, insurgindo-se contra uma decisão, a dado momento arremessara os óculos para o relvado, desfez-se em desculpas. O Graça tinha graça.