PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Confirmou-se a queda de Paulo Sousa no Flamengo após semanas a procurar definir a identidade da equipa. A sua intenção de mudar conceitos de jogo chocou com um cenário de exigência que não contempla desvios à simplicidade atacante do mesmo. Foi um "presente tático envenenado" porque, desde o início, nunca teve a margem de manobra que imaginava para mexer no modelo de jogo da equipa.
Vendo em perspetiva essa sua vida e queda na Gávea, diria que é exatamente essa margem tática para mexer na equipa que permitem a Abel, no Palmeiras (o segundo treinador, após Barbieri no Bragantino, há mais tempo num clube da I Divisão brasileira) e, agora a Vítor Pereira, no Corinthians, montar as suas ideias de jogo partindo duma postura que leva muitos, no Brasil, a rotulá-los de treinadores defensivos de contra-ataque ("técnicos retranqueiros", na terminologia analista brasileira).
É uma acusação sem sentido que ignora os passos de evolução da construção duma equipa quando tal tem de ser feito desde as suas fundações táticas. A vantagem deles é fazer em clubes onde, ao contrário do Flamengo, essa margem (se acompanhada com resultados) existe. É dessa forma que tem de ser vista a liderança de ambos no Brasileirão jogando um futebol que, na essência, não deslumbra por como ataca, mas convence por como segura os jogos.
2 - O Palmeiras não é uma equipa defensiva mas é a equipa que mais se preocupa e melhor prepara a sua organização defensiva (na qual é capaz de viver confortavelmente durante a maior parte do jogo, sobretudo os ditos de estratégia, frente aos adversários mais fortes, no qual vence pela forma como fecha espaços atrás da linha da bola e sai rápido em jogadas ensaiadas de ataque rápido à profundidade).
Tem jogadores que favorecem essa forma de jogar. Reforçando esta ideia de tipologia dos avançados, basta ver como Abel nunca forçou muito a contratação dum ponta-de-lança de raiz. Em vez desse n.º 9 típico (como é o suplente Navarro) aposta em mobilidade na frente de ataque, convertendo Rony, antes um ala de velocidade, num mortífero "falso 9" que, com mobilidade e astúcia de desmarcação, tira todas as referências de marcação às defesas adversárias e surge bem no tal futebol de "mentira tática defensiva" e rápido ataque à profundidade.
Quando os jogos pedem outra coisa, a equipa sabe também dar um ataque mais organizado posicional subindo o bloco (em geral médio) e passando a pressionar mais alto. É essa postura que está, neste momento, a protagonizar a evolução do bloco tático de Abel. Um Palmeiras cada vez mais pressionante sem perder o rigor defensivo (só sofreu cinco golos em dez jornadas do Brasileirão).
Em suma, o Palmeiras é hoje uma equipa com um modelo de jogo solidificado ao qual Abel busca acrescentar novas nuances de afirmação em campo, mas que pela prioritária colocação segura em campo não evita a (errada) acusação de defensivo.
3 - Curioso ver como Luís Castro respondeu na última conferência, após derrota com Palmeiras, à perguntava se ia mudar o sistema no jogo seguinte: "Você acha mesmo possível mudar uma forma de jogar, e um sistema, em três dias?".
O seu Botafogo monta-se num 4x3x3 e procura atacar em 3x4x3 mas a forma como a análise fica presa ao desenho inicial impede a compreensão das dinâmicas de jogo. Em tese, até seria o local/clube que mais convidaria à tal postura mais recuada da equipa (que subiu este ano da II Divisão). A forma como Castro busca colocá-la a trocar a bola (desde o sair a jogar até ao jogo apoiado a meio-campo) choca com a falta de tempo de treino para a colocar a jogar assim. Em vez de ceder ao "resultadismo" de fechar a equipa, prefere, no entanto, subir-lhe em campo as exigências em posse.
Os treinadores portugueses evitaram o nivelar por baixo do futebol brasileiro em termos de abordagem tática ao jogo mas é difícil mudar culturalmente um país que embora exija a arte no jogo nunca se preocupou em perceber como se criam condições para ela se expressar no futebol atual.
Vítor Pereira cede nas ideias para ganhar no futuro?
O caso do Corinthians é diferente porque Vítor Pereira ainda está no início da construção. Para conquistar esses degraus de evolução, não teve dilemas tático-estéticos em começa por ser "resultadista" (e, assim, manter-se vivo em todas as competições). Varia entre o sistema de três centrais (defendendo, por vezes, para segurar vantagens em bloco médio-baixo a 5) e um 4x2x3x1 com duplo-pivô de corte e saída (Maycon-Du Queiroz). Na frente, veremos como irá lidar com a saída de Jô, o n.º 9 de referência na área a ganhar bolas.
É evidente que este plano exibicional inicial não é como Pereira quer colocar a jogar o seu Corinthians. Basta ver como quer mais jogadores de posse/temporização em organização como Willian e Renato Augusto, para entender a ideia de jogo pretendida, mais em posse, controlando/alternado ritmos, atrás ou em cima do meio-campo adversário.
Quase sem tempo para treinar (num calendário louco), esse processo é difícil de erguer. Tem, no entanto, espaço emocional (da direção à torcida) para o fazer como não teria no Flamengo (onde as exigências sobre como jogar devoram treinadores).
Ser treinador é, muitas vezes, ceder às circunstâncias para, mais à frente, impor as suas em termos de ideia de jogo. Mesmo que tenha, como no último jogo perdido em Cuiabá, de assumir ter montado mal a equipa e trocar quatro jogadores ao intervalo.