PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Penso que já cometi esta inconfidência por aqui noutro escrito mas como, no fundo, só diz bem, acho que é boa altura para a recordar. É sobre o Tozé Marreco.
Uma vez, há já vários anos, falava eu com o meu saudoso mestre e amigo Vítor Oliveira, que na altura treinava o Aves, onde estava então também o Tozé, e achando eu que ele devia jogar mais em vez de ir para o banco (a equipa também não andava bem e, claro, pensamos logo que a solução está nos que não jogam), perguntei-lhe o que achava mesmo dele como jogador.
Lembro então do Vítor dizer que ele tinha de melhorar. Não seria titular mas, confessou-me, havia uma coisa nele que era diferente de todos. Qual? Era quando o chamava para entrar durante o jogo. Enquanto que à maioria dos jogadores se tem de explicar tudo, o que fazer, como está o adversário, espaços, etc., ao Tozé Marreco não. Ele percebia logo tudo e até acrescentava coisas ao que o treinador dizia no diálogo rápido na berma do relvado e logo mal entrava nele.
Ou seja, enquanto a maioria dos suplentes está meio indiferente no banco, ele estava sempre muito atento ao jogo. À sua equipa e ao adversário. A atenção ao jogo já estava dentro dele.
2 - Recordei-me desta história agora que o vejo como treinador, quase sempre de pé, no banco, a orientar a sua equipa. A época passada foi no Oliveira do Hospital, que jogou melhor do que os resultados obtidos; nesta, no Tondela, que viu nele o homem para fazer subir a equipa caída na II Liga.
Vai ser protagonista do primeiro grande jogo, a Supertaça e, nessas condições, tentar o "impossível": vencer o poderoso campeão FC Porto. Enquanto jogador, foi um avançado-centro que, passando por muitos clubes, fez golos na Holanda mas nunca chegou alto nos relvados portugueses.
Sinceramente, pressinto agora mais coisas nele como treinador. Este Tondela perdeu a seta do contra-ataque, que era o Salvador Agra, mas mantém a base da época anterior. Veremos como se aguenta neste duelo desigual. A capacidade de manter a organização, sobretudo a defender e quando perder a bola nos momentos que meter o nariz de fora da sua defesa, será decisivo para conseguir manter o jogo (isto é, a discussão do resultado) vivo. É difícil.
3 - Mesmo tendo perdido peças táticas chave (de qualidade técnica no jogo), Sérgio Conceição mantém intocável a memória coletiva dos processos de jogo da equipa. Os jogadores que saem do banco são hoje novos titulares (enquanto a equipa se vai reformulando, sobretudo a meio-campo), não precisam também que se lhes explique muita coisa na hora de entrar em campo. Têm, nesse sentido, o principio de visão do bom suplente que tinha o Tozé Marreco com o "upgrade" da forma como o treinador olha para eles. O futebol tem pontos de contacto infindáveis.
O talento necessita provocação
Não vejo o período de adaptação como um mito, mas não é tão complexo como se faz crer ao ponto de justificar insucessos de jogadores chegados como craques. Por isso, Conceição respondeu bem à pergunta sobre o tempo que Gabriel Veron demorará para se adaptar ao futebol europeu e à nova equipa. Em suma, disse que isso... dependia sobretudo dele. Ou seja, a qualidade do jogador já sabemos existe. A capacidade dele a expressar (e "timings" para o fazer) noutro habitat já é outra coisa. É algo quase impossível de descodificar.
Ainda esta semana Jesus falava sobre isso por causa do insucesso, para o nível esperado, de Everton no Benfica, e referia questões de inadaptação social, jogo, etc. Não sei. Sei que vi sempre um jogador de cara triste, sem expressão, o oposto do "cebolinha indomável" do Brasil. Claro que o treinador também tem de o ajudar, percebendo onde está escondido esse talento e conseguir desbloqueá-lo mas este é um processo claramente mais do jogador e seu mundo privado mental.
Veron nunca foi, nesse sentido, um jogador fácil, mas esta mudança pode (ao contrário de Everton que vinha com o talento totalmente estabilizado) gerar um choque de crescimento que funcione como a provocação que o seu talento necessita nesta fase de afirmação