Penso na superior cultura de jogo ofensivo de Sadio Mané. Sem ele, o Liverpool pode manter (e reforçar) o seu exército velocista (Salah, Díaz e juntar Darwin) mas o poder do pensamento móvel não será o mesmo
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Darwin é um "puro-sangue". Velocidade e físico com um poder de finalização cada vez mais confiante. Não é difícil imaginá-lo, no Liverpool de Klopp, nas jogadas de ataque rápido, com exposição espacial no meio-campo adversário a explodir nesses latifúndios de relva. Mais complicado será filtrar, quase como encolher esse seu futebol, para espaços mais reduzidos (ataque organizado/posicional contra adversário fechado em 30 metros).
Ou seja, também aqui terá de nascer um diferente "Darwin tático" (entenda-se relação com os espaços e a necessidade de ser menos... rápido fisicamente e mais veloz... mentalmente, com menos relva).
Este novo habitat terá de ser visto, também, em face de mudanças do ecossistema dos avançados devido à saída do mais inteligente de todos, na relação alternada entre jogo e golo, centro e alas, mais adiantado ou vindo atrás. Penso na superior cultura de jogo ofensivo de Sadio Mané. Sem ele, o Liverpool pode manter (e reforçar) o seu exército velocista (Salah, Díaz e juntar Darwin) mas o poder do pensamento móvel não será o mesmo. É a tal casta de jogadores que brilha não só pelo que jogam, pensando em movimento, mas pela forma como o fazem também proporcionam que outros joguem melhor, porque criam-lhes condições para expressarem a sua natureza.
Eles não gostam que recortem fotos de infância e tirem o peluche (bola) delas
A necessidade do jogador renascer várias vezes
1 - A avaliação de um jogador tanto pode basear-se no que ele indiscutivelmente vale, como pode ser motivada por imaginar, em face de indícios dados numa equipa dita menor, o que poderá valer num contexto de exigência superior. O habitat de expressão de talento confunde, muitas vezes, a avaliação de um talento. Seja certeza ou promessa. É a dicotomia existencialista do talento.
O jogador que é grande numa equipa pequena, mas que fica pequeno numa equipa grande. Chamam-lhe o síndroma do peso da camisola. Há muitos casos destes pelo mundo fora. Ultrapassa a visão desportiva. Passa, quase sempre, para a de amplitude mental-humana.
Outra coisa é a dúvida sobre a expressão desse potencial noutro cenário. Penso na dimensão competitiva como em maiores exigências táticas de participação no jogo. Como isto funciona melhor com exemplos, dois nomes: Darwin e Lincoln.
2 -Lincoln é um craque que ainda tem o seu potencial confinado. O Santa Clara tem sido uma equipa bonita e ele é o criativo-vagabundo do passe que vai buscar o perfume dos velhos "10" e joga metendo a bola onde quer (após colocar-se no local certo para a receber). É difícil imaginá-lo sem a bola. A foto fica incompleta. E o seu melhor jogo também. Passando para uma equipa grande ele terá, ao mesmo tempo, o benefício e a exigência das duas coisas. Ou seja, vai ter mais a bola mas não será tão livre a mover-se (pelo maior balizamento de espaços de movimentação) e deverá ter maior intensidade de reação à perda (além da maior agressividade em posse).
Se pensar nele no "modelo-Porto de Conceição", não duvido que joga fácil como "terceiro médio" ofensivo de raiz e que terá de subir esses índices intensos a "8". O maior desafio, porém, será replicar os movimentos "faixa-meio, meio-faixa" transformadores de sistema de Otávio. Como acho que o talento encontra sempre uma saída, acredito que consegue, mas para isso terá de nascer um novo "Lincoln tático". Isto é, usar o seu talento natural num habitat que sem lhe ser hostil, coloca-lhe primeiro obrigações e só depois liberdades (e estas sempre condicionadas).
3 - Os jogadores são mais produto do local onde nascem do que onde crescem. Digo isto porque quase todos eles têm resistência a crescer porque relacionam isso com perder muito daquilo que os fez destacar-se. Uma missão do treinador é convencê-los que não é assim e que o crescimento não "envelhece" o jogo mas sim dá-lhe mais sabedoria. Desde que, claro, não subvertam a ordem e a prioridade de como começar a pensar o jogo para este tipo de jogadores: com bola. Porque se lhes começam a explicar o jogo sem bola como base para crescer é o princípio para ele perder-se. Eles não gostam que lhes recortem as fotos de infância e tirem o peluche (bola) dela.