PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 São avançados diferentes mas que me provocam sensações semelhantes. Abel Ruiz e Gyokeres.
A amplitude de terreno, os quilómetros de relva que calcorreiam a cada jogo, indo buscar nas faixas, lutando e arrancando na profundidade, ou recebendo na área, irrompendo como que surgindo duma tampa de saneamento debaixo da relva, em curtos metros quadrados, para rematar.
Duas expressões que combinam num só exemplar o que, em condições humano-futebolísticas normais, seriam dois jogadores. São raros os avançados deste tipo.
Vejo muito deste Braga-Sporting como um confronto estes dois pontas-de-lança de longo curso. As equipas têm modelos de jogo muito distintos mas quando chegam à parte final dos últimos 25 metros acho que se aproximam pelo estilo destes dois caça-golos que parecem então desligar-se do resto da equipa. Ou, se calhar, será a sua finalização, o que dá sentido a tanto pensamento tático-técnico atrás. Não sei, sinceramente, tenho mais tendência para gostar da outra versão. As equipas (o seu jogo) ficam diferentes quando a bola vai ter com eles.
2 Nos últimos tempos, o Sporting ganhou um novo médio-centro para picar mais pedra do que amansar a bola: Hjulmand. O tal elemento que pode endurecer o meio-campo que se dizia ser excessivamente "soft" sem bola nos momentos em que era necessário subir ou aguentar o aumento de intensidade física do jogo. Não são características que fazem, por si só, jogar melhor, mas são atributos de segurança privada que podem libertar dessas tarefas (que, afinal, não conseguiam cumprir) outros jogadores que querem é ter a bola e não jogar pra a afastar. Melhora a equipa sem bola.
O Braga, por sua vez, após um inicio a querer rotinar um duplo pivô de carcaça tática mais forte (Vítor Carvalho-Musrati) começou a sentir falta de mais qualquer coisa na saída de bola. Musrati é um bom nº6 a quem tapam um olho quando sobe para nº8 e a sua visão de passe deixa de ter a mesma amplitude periférica. Acontece muito com geómetras do passe que jogam de forma perfeita sozinhos e perdem à vontade quando acompanhados (mesmo bem acompanhados, como era o caso).
3 Por isso, percebeu-se como André Horta era importante. Pode ser levezinho e raramente durar o jogo todo, mas enquanto está e dura o jogo sai em posse com outra velocidade e chegada à frente (da bola e dele próprio, a distribuir e até rematar). É também um processo estranho mais comum do que se imagina: só perceber o verdadeiro valor de um jogador quando ele falta.
Um jogo, o primeiro clássico de "outsiders" que jogam sem dramas emocionais de Benfica e FC Porto. Estas são, ainda, para Amorim e Artur Jorge espécies de "equipas-sementes de candidato". Sistemas muito diferentes (4x3x3 versus 3x4x2x1 e suas variantes em ação) mas na definição daqueles espaços e especialistas pode estar a decisão.
"Burnout" chega ao treinador
Além da surreal situação de três jogos, três vitórias e três treinadores diferentes (Moreno-Aroso-Turra), o Vitória entra na quarta jornada como líder e vai nessa condição jogar com o Benfica. A equipa está a criar uma identidade em cima de um início de época com ilusões, tristezas e esperança. A queda europeia é frustrante mas a realidade é que seria difícil crescer em cima de uma exigência tão grande. Chegará esse tempo. Lamento o Moreno não ter continuado porque o futebol precisa de pessoas como ele, com alma de futebol, sentimento pelo clube. Foi uma espécie de "burnout" do treinador, algo que só acontece, em todas as profissões, a quem as vive com paixão.
O desafio na Luz tem o valor relativo de a fazer crescer na confiança. Mais do que este jogo, começar a ganhar os próximos sobretudo na pressão que sente (e a faz desconfiar dela própria) nos jogos em casa que não começam logo a correr bem. Esse síndroma do "jogar em casa" é um clássico de Guimarães (que abraça tanto a equipa que quase a sufoca).
O campeonato necessita de novas equipas-herói capazes de fazerem a sua autoterapia. O Boavista, noutro quadrante de realidade, tem outra forma de lidar com esse sentimento. São, na dimensão de clube, as duas forças que precisam de acertar-se com o tempo.