PLANETA DO FUTEBOL - Uma análise de Luís Freitas Lobo
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1 - Ainda é quase um mistério falar do Catar futebolístico numa altura em que o Mundial se aproxima.
Afif, Son e Minamino: os diferentes estilos do futebol asiático
Todos os olhares estão antes colocados na raiz da organização faraónica do emirato absolutista da família al-Tahni. Os direitos humanos e uma bola. Uma dicotomia perturbadora mas que se dissolve quando Akram Afif pega na bola. Ele é a maior estela do futebol do Catar e, no início da carreira, em 2016 chegou a ser contratado pelo Villarreal. Tinha 20 anos e como produto mais empolgante da fabulosa Aspire Academy que buscava formar craques no Emirato esteve no Eupen da Bélgica e tornou-se depois o primeiro catari na liga espanhola. Nunca se percebeu bem na altura se a contratação era mesmo uma aposta a sério no seu valor, negócio ou marketing. Afif mostrava habilidade com a bola mas a verdade é que nunca chegaria a jogar no Villarreal. Esteve emprestado no Gijón (onde entrou poucas vezes), voltou ao Eupen e ao fim de quatro anos regressou ao Catar, onde, no Al Sadd, se destacou pela sua fantasia e golos, sendo eleito o melhor jogador asiático em 2019. Agora, aos 26 anos, está na maturidade da sua carreira e é a quem todos passam a bola nos lances de contra-ataque.
2 - Embora revelando muitas deficiências táticas e até técnicas, o onze catari orientado pelo espanhol Felix Sanchez Bas tem princípios de jogo bem assimilados num 5x3x2 onde o n.º 10 Al- Haydos (com 165 internacionalizações!) é, aos 32 anos, o patrão da equipa. Tem visão de jogo, passe e remate, jogando sobre a meia-direita e servindo os avançados (transformando o sistema em 3x5x2), onde Afif faz dupla com um n.º 9 mais de referência, Almoez Ali (do Al-Duhail), maior goleador da história futebolística do Catar.
Com um central imponente a sair a jogar, Khoukhi, e um lateral-esquerdo interessante, Homam Ahmed (23 anos, o mais jovem do onze), é uma equipa para desafiar a história e o status do futebol mundial a todos os níveis. Mais do que pelo joga, pelo que representa nestes tempos perturbantes que vivemos.
3 - O futebol coreano continua a revelar uma evolução em continuidade que, mesmo mudando de selecionador (dez anos depois de Hiddink, no incrível Mundial"2002, até Paulo Bento) procurar manter o estilo de jogo que faz a sua escola. A vertigem da velocidade a atacar tem, no entanto, aberto espaço a um melhor controlo de bola a meio-campo. Uma evolução tática que cultiva melhores médios. Gosto de ver Hwang In-beom, um n.º 8 que roda com a bola e acelera a transição defesa-ataque, ficando atrás, como pivô defensivo, o equilibrador Jung Woo-young ou Jun-Ho. Desta forma, num sistema entre o 4x3x3 e o 4x2x3x1, pode fazer trocas posicionais ofensivas que confundem defesas adversárias.
É nisso que Bento aposta, com Son a jogar solto entre a faixa e o centro, abrindo muito vezes a largura para Lee Jae-Sung (Mainz), Lee Kang-in (Mallorca) ou Changkwon (Gangwon Na outra faixa, à esquerda, Hwang (Wolverhampton) é quem sabe decidir melhor quando travar ou avançar, ficando Hwang Ui-jo como referência mais fixa. Noutra variante, pode aparecer Son como falso n.º 9 de ataque à profundidade.
4 - A equipa parece até que cresceu na dimensão física de encarar o jogo, um fator que emerge desde trás pela presença do gigante defesa-central Kim Min-Jae, atualmente já patrão da defesa do Nápoles. Um estatuto que impõe quando chega agora à seleção e traz as divisas dos ensinamentos defensivos do futebol italiano.
Dentro dos diferentes estilos do futebol asiático, o coreano é hoje o mais multicultural, porque adquiriu um traço de posse que antes era praticamente só propriedade do Japão de inspiração brasileira. Enquanto o Irão (com bons jogadores mas em permanente convulsão histórica) busca encontrar forma de seguir o mesmo caminho multicultural, Arábia Saudita e Catar são as expressões tecnicamente mais individualistas mas coletivamente frágeis do enigmático Médio Oriente.
Qual o momento de forma da seleção do Japão?
Continuando a cultivar a sua escola de futebol apoiado (com inspiração brasileira de origem), a seleção japonesa é a que sinto melhor tratar tecnicamente a bola no continente asiático mas a cujo jogo falta muitas vezes a profundidade atacante para ganhar jogos que até controla a nível de posse.
Os médios são, nesse sentido, a raiz deste estilo desenhado num 4x2x3x1 que começa a gerir o jogo desde a cadência de toque do duplo pivô no qual Endo (do Estugarda) e Shibasaki (Leganés) são as maiores referências, num espaço em que Morita ganha maior protagonismo, como combinação entre n.º 6 e n.º 8 (recupera e sai a jogar) num perfil em que funciona muito bem em dupla com Tanaka (Dusseldorf).
Com esta base, a ligação com o ataque solta-se depois pelas botas de Haragushi ou, sobretudo Kamada, um "enganche nipónico" que aumenta a velocidade do jogo, ritmo veloz em que se revê mais a criatividade com golo de Minamino e as fugas com finta de Doan, Ito, e sobretudo Kubo a partir da faixa como extremo.
No ataque, Maeda é o avançado mais culto a mover-se desde a faixa (espécie de n.º 9 que arranca em largura), quer no passe ou nas diagonais em que surge junto do n.º 9, no qual pode estar Furuhashi (a jogar sempre em ataque continuado no Celtic), cada vez mais oportunista a finalizar (outra solução é Ueda e Muto, em busca de recuperar a melhor forma goleadora).
Quem me fez (faz) sonhar
Coreia Ahn!
Avançado que entrava nos momentos decisivos na incrível Coreia do Sul de 2002. Ahn Jung-hwan tinha velocidade, oportunismo e remate, inclusive de cabeça, e foi nesse estilo que se meteu entre os centrais italianos e marcou o golo que valeu a meia-final. Automaticamente, o louco presidente do Perugia, onde jogava, expulsou-o do clube por traição. Surreal. Foi jogar para o Shimizu S-Pulse japonês e na Europa ainda voltou a Metz e Freibiurg mas nunca ao nível do herói que se tornou na Coreia. Acabou em 2011, no Dalian Shide chinês.