PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - O mais difícil ao defrontar o Manchester City nem é o facto de se tratar de uma grande equipa. Trata-se de defrontar uma ideia de jogo muito forte. Porque grandes jogadores, gastando muito dinheiro, já o City tinha desde que foi adquirido pelo Sheik Mansour. A questão futebolística só ganhou mesmo esta dimensão quando comprou Guardiola e a sua filosofia de jogo.
Quem os defronta, mesmo as outras grandes equipas da Europa, sabe que tem de atirar pela janela muita da estética, e até da identidade, para os poder vencer. De Tuchel a Klopp, a nata da escola alemã, passando pelo "pirata tático" Simeone, o plano passa sempre pelo predomínio da contra-estratégia. Nesta armadilha entra algo que, em rigor satânico, só existe no futebol. O poder de ganhar no resultado sem querer discutir exibição/jogo.
Existe, por isso, um mistura de algo quixotesco e ambicioso até à (in)consciência de apregoar a superioridade moral de não abdicar da identidade com que se joga toda a época (não querendo mudar rotinas) na declaração de Rúben Amorim em dizer que pensara nisso (mudar algo no seu jogar para combater este adversário especial) mas que preferira não o fazer.
A consequência foi aterradora no abismo (a goleada) que subitamente, desde o início, se cavou entre as duas equipas com o habitual sistema de jogo leonino incapaz de se expressar em campo.
2 - Sou dos que acreditam na identidade como base para o sucesso duma equipa mas não como um valor absoluto. Ou seja, há sempre uma margem de relatividade em relação ao valor que se possui em paralelo ao do adversário. Nesse espaço, entra o plano das nuances estratégicas que, sem adulterar totalmente o jogo da equipa, dá-lhe armas táticas diferentes para defrontar as invulgares (pela potência e diferença das que costuma encontrar) que terá perante si. Sem essa margem de manobra, uma equipa do nível do Sporting não tem, pura e simplesmente, hipótese de confrontar este Manchester City. É um terrível choque com a realidade (crua e absoluta).
Amorim teve consciência (no princípio e no fim) de tudo isto. Não vejo, por isso, apesar do abraço final dos adeptos, como que querendo esconder aos jogadores o que se passara, qualquer vantagem nisto para o crescimento competitivo da equipa. Nem para o seu jogo, nem, sobretudo, para aprender a dentro dele saber jogar outros que os adversários exijam.
3 - Este é, aliás, um plano competitivo que, noutra dimensão, também se coloca para o próprio City. Nota-se quando quer ir como que para além da sua identidade sem olhar à do adversário com armadilhas montadas. A forma como perdeu a final da Champions contra o Chelsea de Tuchel, mexendo nas bases de segurança do seu sistema para criar uma imprevisibilidade ofensiva, deu, então, um espaço tático decisivo à estratégia do adversário.
A vantagem, seja onde for, estará sempre em ser em campo a equipa mais segura daquilo que está a fazer.
Abusem da imaginação
Courtois, o pássaro gigante belga em forma de guarda-redes, disse que o estudara antes. Vira os que falhara e como marcara, com êxito, os últimos. O mais provável seria, então, a pulga seguir o trilho do sucesso recente do que voltar ao do erro. Apostou nisso e Messi bateu como ele imaginava. Voou rente à relva e defendeu-lhe o penálti. Uma defesa que antes dessa estirada já começara muito antes na sua cabeça, no remate imaginado tantas vezes.
Já não poderia fazer nada quando viu a tempestade de finta rápida e curta de Mbappé a surgir à sua frente e, com remate feiticeiro, meter-lhe a bola por entre as pernas. Isso já era a ironia do futebol trocista. Para coisas assim não existia forma de se preparar. Nada daquilo vem nos manuais ou pode ser decalcado de movimentos vistos nos últimos jogos. É o jogador e o génio sem mais nada pelo meio.
Mais do que pelas táticas (ou até as equipas no coletivo) este faraónico PSG-Real Madrid valeu pelos duelos entre os jogadores. A prova de como o jogo, quando liberto, é só deles. Nesse momento, os treinadores apenas pintam quadros.
Agora, falta o segundo jogo. Com mais espaço, talvez, para diabruras. Mesmo metendo-lhe todas as amarras possíveis, nem este futebol atual resiste aos que abusam da imaginação.