PLANETA D FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Podemos, no final, ficar só pelas teses da mentalidade (e até do penálti que mudou o jogo), mas raramente a interpretação do que uma equipa faz em campo numa sucessão de exibições padrão (e não apenas as adjetivadas pelos resultados) tem essas causas como base do momento que atravessa.
O psicanalista francês Émile Lacan dizia que a vida acontece em três níveis: o real, o simbólico e o imaginário. Nesse triângulo, o real era como uma mistura entre os desejos e os instintos.
Era, no fundo, um patamar quase impossível de se estar mas que, no fundo, era onde na realidade estávamos. Claro que quando, nos anos 40, formulava esta tese (com uma complexidade, obviamente, maior), Lacan não pensava em futebol mas vendo como a verdade absoluta da Champions (diferente da relativa das provas internas) falava esta semana, de forma distinta, aos três grandes portugueses, recordei esses níveis.
2 Em Alvalade, Rúben Amorim tinha dificuldade em explicar mais uma derrota num jogo em que usara mais uma vez os mesmos argumentos e princípios de jogo que antes o faziam ganhar. No fundo, sentia-se como estando nessa realidade impossível.
Mesmo num jogo que até desde a bancada se pressentia ir a fugir noutra direção, para o treinador tinham de existir outras razões e, sem as querer ver em campo, focava-se mais na mentalidade (dos instintos).
A verdade é que este Sporting (que já esta época ganhou a jogar assim) não tem bases reais para sustentar uma existência tática similar à de outras épocas porque perdeu o que mais de real tinha: jogadores. Vive, agora, mais na busca que o ser humano faz, voltando à tese de Lacan, para sobreviver e tentar evoluir: reprimir os instintos e criar um mundo imaginário. Em termos de jogadores, o renascer de Pote a médio, os rasgos de Edwards, que a entrada de Paulinho mude sempre o real ou que, por fim, Trincão saia de simbólico substituto de Sarabia.
3 O futebol tem, no entanto, muita dificuldade em estabilizar entre aqueles três níveis referidos. É, como na vida, o mundo da cultura (de jogo) que lhe permite imaginar sem... perder a razão.
Por isso, o Benfica atacou essa repressão simbólica e sublimou uma nova existência para o real com desejos de jogo consistentes. É o mundo do instinto racional dos médios que controlam jogos (como, afinal, o Sporting noutro nível de vida já teve).
Criou novos, Enzo e Aursnes, reinventou outro, Florentino, e gerou um híbrido, João Mário. A equipa conhece-se a si própria e nesse processo está também o processo que a torna mais enigmática: a recuperação de jogo para jogo em curto espaço de tempo sacudindo o imaginário da rotatividade. A forma como carburou na parte final do jogo de Israel foi mais do que desejo. Foi a realidade sem simbolismos. O melhor que o futebol bem jogado pode oferecer.
A fuga para a realidade
É incrível como as coisas mudam em tão pouco tempo. Ainda há algumas semanas, o FC Porto afundava-se em dúvidas depois de goleado em campo por um onze belga de que ninguém desconfiara do que seria capaz. Pouco tempo depois, passeou e ganhou num jogo, já apurado, frente a outro adversário, o At. Madrid, "barco-pirata de Simeone", que na época passada o eliminara no mesmo cenário promovendo um jogo conflituoso. Agora, nem conseguia levantar-se e o mesmo "pirata" Simeone olhava impotente o relvado perante o semblante subitamente sereno de Conceição.
Tudo isto sucedeu no nível real da vida e do futebol. O onze portista não ficou muito tempo preso às teses da mentalidade. Percebeu os jogadores que saíram e não quis jogar com o imaginário. O simbolismo tático da equipa tem uma base de sustentação de revolta que o treinador sabe usar como ninguém nestes momentos. São armas que o Sporting precisa de construir.
Questionar Amorim seria questionar a base que o fez renascer. Questionar as suas respostas é, noutro nível, a busca necessária para perceber o caminho indicado para voltar ao nível certo. As coisas, já vimos, mudam muito depressa no futebol mas ninguém o poderá fazer sem, primeiro, saber tirar o simbolismo do realismo.