VISTO DO SOFÁ - Opinião de Sónia Carneiro
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Ainda se ignoram as consequências (melhor seria dizer os danos) que as cinco substituições estão a causar no futebol. Porém, e como aqui já escreveu José Manuel Ribeiro, desde logo se nota que ampliam muito a esfera dos poderes do treinador.
Aliás, todas as alterações às regras que têm sido feitas nos últimos 50 anos, mais marcados pelo mercantilismo, foram sempre no sentido de alargar o campo de influência dos treinadores, reforçando a sua capacidade de influenciar a partir do exterior, o que, ao mesmo tempo, reduz cada vez mais a margem de irresolução e acaso do jogo. Para quê, não é, se essa margem é justamente a pedra onde assenta a singularidade e o sucesso do futebol?
E quem pensa que cinco substituições é um exagero tem de se preparar para as substituições ilimitadas, que darão o golpe final no futebol, tal como o conhecemos e amamos. Elas fazem parte de um «pacote» de quatro alterações às regras que acaba de ser testado num torneio de futebol de sub-19, a Taça do Futuro. As outras três hipóteses de mudança são: dois períodos de jogo de 30 minutos de tempo útil, cronometrado, exclusões temporárias, de cinco minutos, e lançamentos laterais feitos com os pés.
A ideia do tempo útil não mexe com a essência e a natureza do jogo, além de ser o único antídoto conhecido contra a cada vez mais refinada arte do anti-jogo, que é uma praga, pois todos a usam. Daí não virá mal ao futebol, tal como no caso das expulsões temporárias, embora, neste caso, também não se perceba qual seja a sua utilidade. Mas a ideia dos lançamentos laterais feitos com os pés é outra aberração que, só por si, chega e sobra para transformar o jogo noutra coisa qualquer.
O lançamento manual é uma reminiscência do futebol rural, em que, no início do jogo, a bola era lançada ao ar, para entrar em contacto com o Sol, que simbolizava. Trata-se de um gesto cerimonial que apenas visa reatar o ritual. A própria lei do jogo determina que nenhum lançamento lateral pode resultar directamente em golo, já que não é ainda parte da jogada ou do jogo.
Além disso, não é preciso fazer muitos testes para se saber que o impacto no jogo desta medida seria brutal. Basta imaginar a quantidade de novos lances de bola parada que passavam a existir. Para quê construir, jogar, se bastava plantar «pinheiros» na área do adversário e ganhar muitos lançamentos laterais?
E agora a questão crucial: para quê tudo isto? Se fizermos esta pergunta em voz muito alta, os avançados mentais que passam os dias a pensar nestas coisas responderão: «Para haver mais golos e mais espectáculo». Eis a sua obsessão: criar mais jogadas de perigo na área, mais oportunidades de golo, mais golos, enfim, pois isso - supõem eles - corresponde a mais entretenimento e a mais espectáculo. Ignoram que o golo é um objecto precioso por ser raro e difícil de construir. Querem multiplicá-lo, banalizá-lo, empobrecer o jogo dos jogos. E só vão descansar quando um resultado médio for 8-5 ou 7-7.
Perdoai-lhes, senhoras e senhores, que eles não sabem o que fazem. Mas fiquem de olho neles. Estão ali uns génios que, se não os segurarem, também corrigem o sorriso da Gioconda e aperfeiçoam as pinturas da Capela Sistina.