Contestação a Jesus era uma bomba que só um inconsciente não esperava que explodisse
A JOGAR FORA - Uma opinião de Jaime Cancella de Abreu.
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1 "Se quisesse punha o Rui Vitória deste tamanhinho (juntou o indicador ao polegar), mas não ponho, vou respeitá-lo", disse Jorge Jesus, em 2015, depois de vencer na Luz por 3-0.
"Mérito aos jogadores, são uns rapazes que continuam a surpreender toda a gente, inclusive o treinador", afirmou Rúben Amorim, depois de bater na sexta-feira o Benfica, na Luz, por 3-1. Para além das lições táticas que vai amiúde dando, o treinador leonino é mestre na arte de comunicar e liderar - é, ele sim, um treinador completo.
2 Há decisões que o tempo se encarrega de revelar que são piores que más - são verdadeiros erros históricos. Rúben Amorim foi a algumas reuniões no Benfica Campus e de lá saiu com a sensação de que não o queriam ali a trabalhar (Vieira, segundo sei, queria). Não sendo querido para a equipa de sub-23 do seu clube do coração, fez-se à vida e rumou a Braga para treinar a equipa B do mais bem-sucedido clube minhoto, daí saltou rapidamente para a equipa principal, e, em menos de nada, estava a trabalhar em Alvalade com os resultados que se conhecem. Há coisa pior do que malbaratar um bom treinador? Há: empurrá-lo para a concorrência.
3 Ainda de chupeta na boca e fralda (de pano) no rabo, ouvia já eu dizer que ganha o campeonato a equipa que conseguir ser mais regular. Ora, de uma equipa cuja prestação tem mais altos e baixos que o eletrocardiograma de um doente cardíaco não se pode esperar título algum. O que mais doeu na noite de sexta-feira nem foi a derrota, já de si traumática - o que mais doeu foi a gritante incapacidade de que demos mostras: um conjunto (modo de dizer) de bons jogadores a bater-se com outro menos valioso e mais barato, superiormente dirigido e trabalhado, com jogadores que sabem o que fazer a cada momento do jogo e em cada metro quadrado do terreno, com um processo (assim se diz agora) amadurecido e eficaz. O estrago foi grande de mais para comportar falinhas mansas e perniciosos lugares-comuns do tipo "o que fez a diferença foi a eficácia" ou "ainda há muitos pontos em disputa".
4 A contestação a Jorge Jesus, que só a pandemia conseguiu adiar e alguns (poucos) resultados desta época ajudaram a camuflar, era uma bomba que só um inconsciente não esperava que explodisse ao primeiro rastilho desencadeado por uma derrota como a de sexta-feira. Os lenços brancos agitados no final do jogo e o chorrilho de impropérios que ouvi da boca de gente anónima ávida de descarregar sobre o treinador os sapos (ainda não digeridos) que foi obrigada a engolir aquando do seu regresso ao clube, remetem para um oportuno alerta: a bancada não ganha campeonatos, é facto; contudo, nenhuma equipa chega aos títulos sem o seu incondicional apoio.
5 Não passo de um modesto treinador de bancada e isso mais do que justifica a confissão: em 2013 quis que Jorge Jesus saísse - ele ficou e o Benfica ganhou; em 2015 desejei que ficasse - ele saiu e o Benfica continuou a ganhar. Rui Costa que tenha, como Luís Filipe Vieira naquelas duas ocasiões, a coragem de decidir de acordo com o que julgar ser o melhor para o clube. A nós, adeptos, compete-nos apoiá-lo nas decisões, e, por muito que isso possa custar, fazer o mesmo com Jorge Jesus enquanto estiver ao comando da equipa.