PLANETA DO FUTEBOL - Uma análise de Luís Freitas Lobo
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1 - Aquele arranque inicial de Darwin provava, num simples jogada, como a evolução das espécies (do jogador e equipa) é uma tese cientificamente certa através dos tempos. Ao mesmo tempo, mas com um estilo "rato zig-zag" vindo desde trás, Rafa desintegrava a casa de fantasmas em que se tornou Barcelona.
Qual era a estratégia tática de Conceição contra o Liverpool?
É tentador olhar a exibição do Benfica a partir da dinâmica ofensiva mas onde verdadeiramente vejo crescimento como equipa é no processo defensivo. Está mais rápido na reação à perda e a linha de defesas mais sincronizada. Distintos momentos (do ataque à defesa) que conseguem, no jogo, que os extremos se toquem através do elo de ligação (defesa-ataque-defesa) de dois médios que sabem tudo sobre controlo da bola e ritmos de jogo (Weigl-João Mário).
Esta será, por isso, uma das melhores equipas de Jesus porque, ao contrário de outras, é aquela que (por força dos jogadores na leitura dos espaços entre diferentes sectores) menos promove o conceito de "equipa partida". O jogo coletivo fica, automaticamente, mais seguro e criativamente coeso.
2 - Conceição foi (é) um treinador com um impacto (ganhando ou perdendo) tão grande neste momento histórico do FC Porto que a sua influência transborda amplamente o mero cargo no banco. Quando fala, a sua voz tem tanto a autoridade moral do mais fanático adepto como a profundidade de estrutura dum presidente. Por isso, pode fazer aquelas declarações após o jogo com o Liverpool, cortando a cabeça aos jogadores por não terem estado à altura do treinador, sem que isso pareça totalmente disfuncional no plano de todas estas relações.
O FC Porto parecia estar num processo de irreversível solidificação de personalidade europeia. A goleada e a exibição fantasmagórica foi, nesse sentido, um golpe muito duro.
3 - Mais do que a rajada sobre os jogadores, preferia ouvir Conceição falar sobre o que falhara no seu plano de jogo. Ao dizer que teria preparado outra estratégia se soubesse que não teria Pepe, imaginei querer, vendo o 4x4x2 com que jogou (como se tivesse Pepe), um plano de controlo mais recuado com a autoridade e velocidade de Pepe para subir a linha uns metros, apostando depois em saltar o confronto do meio-campo com a transição para o ataque mais em profundidade/direta, apelando à luta de Martínez e controlo de Taremi, com Otávio (que saiu aos 15 minutos) a ganhar bolas já em zona adiantada.
Ao meter, ao intervalo, o terceiro médio (Grujic), tirando um ponta-de-lança (Martínez), terá lançado o plano alternativo que pensara sem Pepe. Em 4x3x3, sem Otávio, poderia preencher melhor (de raiz e nas compensações) os espaços intermediários. Era tarde demais. A equipa tinha-se desintegrado, tática e mentalmente.
Competitivos ou apavorados
Cada roda que Conceição faz no fim dos jogos acentua o desafio para os jogadores sentirem que estar no Porto é ter de estar à altura de algo imponente. Se esse impacto emocional não lhes aumenta a competitividade, o mais provável é nos dias seguintes viverem apavorados.
A liderança tem várias formas de se exercer mas, em traços gerais, diria que, entendendo-as como manifestações genuínas de personalidade, existem as que procuram expressar poder criando motivação pela pressão, e as que o fazem inspirando afeto, suavizando o ambiente. Conceição pertence, claramente, ao primeiro grupo e assim ganhou a confiança e compromisso dos jogadores ao longo destas épocas por dentro do ADN-FC Porto. O novo deve-se construir sempre em cima do velho para aproveitar a força das raízes.
Os dois lados (e efeitos) da motivação pela pressão
O poder mediático dos treinadores no futebol atual tanto está na vertente tática, de poder mudar um jogo (e sua correlação de forças) pela estratégia, como na imagem e poder de comunicação (para o grupo e para fora). Jesus também assumiu muitas vezes confrontos com jogadores como estilo e estratégia. Não sou, por princípio, adepto destas recriminações públicas. Escolher o tempo certo para as fazer será, porém, mais importante do que o ato em si. Porque só alguns (como eles) o podem fazer.