A antevisão do Clássico por Miguel Guedes.
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Miguel Guedes, comentador de O JOGO, aceitou o desafio de responder como se estivesse numa conferência de Imprensa de antevisão do clássico.
As duas equipas vêm de goleadas e estão motivadas. O fator casa, com o apoio do público, coloca o favoritismo do lado do FC Porto?
-Está para aparecer o primeiro treinador, dirigente ou adepto que acredite em si ao dizer que o "fator casa" não conta. Mal seria. Tem que contar. Mesmo nas más fases (o que não corresponde ao momento atual de qualquer das equipas hoje em campo) em que alguma tensão se pode transmitir das bancadas para o relvado, o apoio dos adeptos é fundamental e, tantas vezes, redentor. É claro que um clássico, ainda por cima numa prova a eliminar, é sempre um jogo muito especial, lançado sobre bases de maior incerteza. Mas uma equipa como o FC Porto, internamente, tem sempre que entrar em campo no pensamento de que é favorita e mais capaz de ganhar o jogo. Mas também de que lhe compete provar, a cada momento do jogo, esse favoritismo.
Que tipo de postura espera do Benfica? Mais cínico à espera das transições, ou a querer dividir o jogo?
-A partida terá muitos momentos e, com toda a probabilidade, ambas as equipas terão oportunidade de explorar as várias nuances do seu jogo. Nenhuma equipa evoluída taticamente pode enviar a cabeça e o coração em viagem de negócios. Nem sequer dispensar o impulso ou o cinismo em determinados momentos do jogo. Normalmente, são as equipas mais equilibradas que ganham os jogos mais difíceis, pelo que uma correta leitura e interpretação dos momentos do jogo é fundamental. A tentativa de surpresa inicial, o condicionamento alto, a agressividade, são fatores que algumas equipas que vêm jogar ao Dragão tentam explorar. Compete ao FC Porto evitar que isso aconteça ou então jogar com essa situação a seu favor, revertendo-a. Entrar bem no jogo deixa uma marca de confiança importante para o que ainda se jogará no que resta dos 90 minutos.
Quão importante poderá ser marcar primeiro?
-Acredito num jogo com golos. É sempre importante marcar primeiro, seja na sequência de um verdadeiro domínio ou contra a corrente do jogo. Um golo desequilibra sempre as peças e pode introduzir uma espécie de desconfiança fatal no adversário. Mas qualquer destas equipas tem capacidade para se recompor e correr atrás de eventual prejuízo. Um golo pode ser um simples abrir de hostilidades. Marcar e não sofrer, isso sim, é decisivo e o sonho da esmagadora maioria dos treinadores.
Que impacto poderá ter uma vitória neste jogo, que ditará o afastamento de uma prova que FC Porto e Benfica têm como objetivo ganhar, no clássico seguinte, para o campeonato?
- É dos compêndios que não há dois jogos iguais. Mas também é verdade que não é habitual haver dois clássicos entre as mesmas equipas em sequência. Quem sair derrotado deste jogo (e alguém sairá porque se trata de uma eliminatória), usará a sua deceção como motor de "vingança" ou ajuste de contas ao ego no jogo seguinte. Apenas um resultado desnivelado (que será pouco expectável), poderia colocar o jogo para a Liga numa situação de absoluta dependência umbilical do de hoje. Agora, é verdade que se alguma das equipas conseguir ganhar os dois jogos, adquire uma superioridade factual, pontual e, eventualmente, moral para o que resto da época. E o inverso é verdadeiro.
Luis Díaz é nesta altura o atacante com mais golos do FC Porto. Preocupa-o esta excessiva dependência do colombiano? De que forma Taremi e Evanilson poderiam melhorar o desempenho ofensivo?
-Compete aos adeptos apreciar, o mais possível, o momento de absoluta exceção que Luis Díaz atravessa e nos mostra. Privilegiado é o futebol português por ter jogadores desta qualidade no seu campeonato. Importante será que nunca mais o expulsem por rematar à baliza e que respeitem o seu futebol. Nunca me preocupa a dependência de um jogador decisivo, é sinal que o temos. Para além de que Luis Díaz compreende totalmente o jogo coletivo do FC Porto, não é um objeto estranho que resolve sozinho. A dimensão coletiva do seu jogo cresceu tanto como a sua dimensão individual. Taremi e Evanilson também jogam com dimensão coletiva, trabalham imenso e já mostraram sinais de complementaridade. Julgo que lhes está a faltar uma pontinha de sorte para serem mais eficazes. Mas também é importante que ninguém alinhe em campanhas e que os árbitros marquem os penalties que existam sobre Taremi ou sobre qualquer outro jogador. Ficaram dois penalties por marcar sobre Taremi em Vizela, um deles do tamanho da Torre dos Clérigos. Com VAR esses lances são totalmente injustificáveis.
O momento de Vitinha justifica a continuidade no onze? Ou, como aconteceu na Champions, a aposta poderá recair em Sérgio Oliveira, um jogador mais experimentado neste tipo de clássicos?
- Ambos já coexistiram em campo em alguns jogos e penso que isso voltará a acontecer hoje. Não necessariamente no onze inicial, até porque Uribe é uma peça fundamental no atual meio campo. Acredito que qualquer um deles terá o seu momento neste clássico. É indiscutível que a atual forma de Vitinha, pela arte, arrojo, constância e fiabilidade que apresenta, não aconselha ao seu desaparecimento das escolhas iniciais.
Será este um jogo para abdicar de um dos pontas-de-lança e reforçar o meio-campo?
- Salvo jogos com caráter absolutamente excecional, desconfio sempre de uma equipa que desconfia de si ao ponto de mudar algo que considera essencial. Mesmo que o FC Porto já tenha jogado com apenas um ponta de lança (e essa opção não seja, como tal, nenhum experimentalismo), parece-me que seria sempre uma excessiva adaptação ao adversário que até pode introduzir ruído na mensagem com que se aborda o jogo. Este não é um jogo para abdicar de nada.