VISTO DO SOFÁ - Uma opinião de Álvaro Magalhães
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Quem por aí se lembra do início dos jogos do final do século passado, no Estádio das Antas? O prólogo de um FC Porto-Benfica, por exemplo.
A seguir ao final do jogo, tudo pode acontecer. No clássico, Sérgio Conceição chamou benfiquista ao árbitro, o que, sendo verdade, naquele contexto ganha a conotação de um insulto
Primeiro, entrava o trio da arbitragem, sempre sob assobios e insultos. Fosse quem fosse o árbitro. Era uma questão de princípio. As equipas entravam a seguir, em fila indiana e passo atlético, vindas de lados opostos do campo. Primeiro, a do Benfica, sob uma tempestade de apupos. Era o tal medo cénico. Por fim, a do FC Porto, que recebia mil volts de energia e afecto dos seus adeptos. Cada equipa ficava no seu lado do campo, não havia cumprimentos, saudações. E, no entanto, este ritual era empolgante e esclarecedor. Por um lado, abria-se à expressão dos adeptos e à sua explosiva parcialidade. Por outro, era um esclarecimento sobre o que se seguiria e que era um confronto, uma batalha simbólica.
Agora, que vivemos numa era de aparências enganosas, o pré-jogo tem uma coreografia regulamentar, com as equipas a entrarem lado a lado, cada jogador de mão dada com uma criancinha. Depois, todos se saúdam e tudo é cordialidade, delicadeza. Dá ideia que se segue um qualquer acontecimento amistoso, não uma disputa intensa, frequentemente atroz. Ou seja, toda essa encenação é enganosa, pois, como se diz muito por aqui, "isto não é como começa".
A realidade é o que acontece a seguir ao final do jogo. Nesses minutos fatais, em que o coração cavalga muito à frente da razão, tudo pode acontecer.
A realidade é o que acontece a seguir ao final do jogo. Nesses minutos fatais, em que o coração cavalga muito à frente da razão, tudo pode acontecer. No recente clássico, Sérgio Conceição foi expulso por chamar benfiquista ao árbitro, o que, sendo verdade, ganha, naquele contexto, a conotação de um insulto. Taremi, por sua vez, fez uma aproximação perigosa a Roger Schmidt, que alguém evitou, e o alemão não resistiu a uma provocação aos adeptos da casa e foi atingido por uma bola de cartolina. Nada de especial, portanto, e ainda bem. Mas, considerando a dose de frustração dos portistas e a louca euforia dos benfiquistas, foi uma sorte não se ter soltado a faísca que iria incendiar a grande reunião final. Como, de resto, aconteceu no jogo da época passada com o Sporting e está sempre a acontecer, por todo o lado. Quando o acaba o jogo, uma multidão invade o relvado: equipas técnicas, suplentes, médicos, preparadores físicos, dirigentes e mais quem quiser participar da confraternização final. Qualquer um pode estar ali, a conviver, ou a trocar insultos e agressões, se for caso disso.
Falta talvez um procedimento regulamentar para aqueles inflamáveis minutos do pós-jogo. E um bom procedimento seria mandar tudo para o balneário, sem cumprimentos, conversas, contactos; e os que estavam de fora continuavam de fora. Não havia convívio pós-jogo (para quê, não é?), mas também se poupava imenso em cenas chocantes, cartões, multas, castigos, processos disciplinares, sanções; e, claro, newsletters dos dois clubes, a acusarem-se mutuamente, horas e horas de programas televisivos inócuos, comunicados da Liga e da FPF a dizerem que «este não é o futebol que queremos», etc, tudo tão inútil e dispensável como a encenação angelical do pré-jogo.