PLANETA DO FUTEBOL - Uma análise de Luís Freitas Lobo
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Naquelas épocas com Jesualdo terá sido dos jogadores menos apreciado pelos adeptos mas dos mais importantes pelas soluções táticas que dava. Extremo, médio-centro, ala, mais à frente ou mais atrás, sobretudo porque, em qualquer desses espaços, era quem tinha mais compromisso defensivo mesmo sendo avançado por natureza.
Quando Mariano reconheceu em Pepê um ser da mesma espécie.
Por isso, fez sentido vê-lo voltar ao Porto e elogiar tanto um jogador que, num perfil semelhante, fazia o mesmo em campo. É o mundo e o tempo que liga Mariano Gonzalez a Pepê. A urgência destes jogadores multifunções que sabem ver as necessidades da equipa antes do brilho individual (até o sacrificando) continuam a ter um lugar tão importante como algo obscuro para a bancada.
É estranho, mas entendo esse desencontro jogo-reconhecimento porque eles como que jogam nas caves táticas do jogo. Pepê seria sempre mais craque destacado quanto mais avançado fosse (com criatividade) mas, proporcionalmente, é cada vez mais craque comunitário essencial pela forma como trabalha (lateral ou falso-ala que dá corpo ao centro a fletir) para que o resto da equipa continue em funcionamento, mesmo que, muitas vezes, já longe dele nos momentos atacantes que fazem os heróis.
São dimensões diferentes que só seres da mesma espécie reconhecem logo.
A máquina de construir defesas-centrais
1 - Num passado remoto, quando o futebol começou a ganhar mais corpo físico, era comum as melhores equipas terem aquele tipo de defesa-central que era visto como um chefe, dos que intimidava os avançados e parecia crescer de tamanho em campo.
Esse tipo de "centralão" manteve-se até há poucas décadas nos nossos relvados. Mozer, no Benfica, e Jorge Costa, no FC Porto, são dois bons exemplos. Surgiram muitos outros mas, ao mesmo tempo, junto deles também surgiam, progressivamente, outro tipo de centrais que provam como o "sair a jogar" não é algo tão moderno. Recordar Aloísio ou Ricardo Gomes são, nesse sentido, outros bons exemplos.
No presente, procura-se juntar tudo no mesmo exemplar, mas essa alquimia resulta quase contranatura. Ninguém pode ser, por essência, duas coisas. Então, como fazendo reminiscência dos velhos tempos, as equipas, por mais que elaborem tecnicamente na defesa, o querem mesmo ter atrás, quando o perigo aumenta, é um chefe para impor a lei. Os xerifes, como lhes chamam os brasileiros, que até deitam gotas de suor de desprezo pelos avançados adversários.
2 - Hoje, o melhor exemplo desse chefe é o Pepe. Mesmo a bater nos 40 anos, ninguém manda como ela lá atrás. A sua gestão dos atributos físicos, agilidade e velocidade, é impressionante nessa idade. A sua ausência mostra como este tipo de central voltou a ser imprescindível. Otamendi (destemido com cortes impetuosos) e Coates (posicional dominando nas alturas) são também importantes mas noutro plano de estilo.
É curioso ver, neste dupla perspetiva de expressão do central, como os mais jovens exemplares emergentes, David Carmo e António Silva, crescem contrariando o princípio do chefe que mete medo aos avançados.
Carmo teve mesmo de aprender a controlar os ímpetos demasiado duros e faltosos com que surgiu em Braga. Está melhor agora enquanto o treinador lhe pede para respirar fundo em pleno jogo quando sente que ele está a ficar comido na cabeça pela pressão. Notável essa imagem de Conceição para ele, no último jogo contra o Braga. E a verdade é que melhorou a partir daí.
3 - Tudo isto ao mesmo tempo que surge um meteoro de serenidade na Luz. António Silva, 19 anos. Tem o físico e a pinta do central elegante. Não se impõe pelo medo que mete, mas pelo respeito que transmite. Sabe jogar antes de não deixar jogar.
Esta inversão de perspetiva em relação a um central só funciona, porém, numa equipa se tiver em conta que ele deve ser sempre visto em... dupla. Isto é, as características que lhe faltam têm de estar no outro central a seu lado.
A autoridade naquele espaço precisa da complementaridade do tal chefe que intimida. O futebol moderno, mesmo por mais que elabore a primeira fase de construção, ainda não está preparado para prescindir de um central desses. Sinceramente, acho que nunca estará.