PLANETA DO FUTEBOL - Uma análise de Luís Freitas Lobo
Corpo do artigo
1 - Conta-se que, um dia, no fim dum jogo, foi obrigado a tirar as botas ainda no campo para provar que não escondia dentro delas, na ponta, umas barras de ferro que permitia ter um remate tão potente. Essa história do imaginário do "fútbol" argentino, sucedeu com Bernabé Ferreyra, goleador do River Plate nos anos 30. Ficou conhecido, assim, como "a Fera e o Balázio".
Apesar desse terror goleador, nunca atingiu, porém, o feito dum "pibe" que quase um século depois, sem esse remate fuzilador mas com precisão a colocar a bola fora do alcance dos guarda-redes, marcou seis golos num só jogo pelo River. Nunca em 121 anos de história do clube alguém o tinha feito. Sucedeu agora num jogo da Libertadores, contra o Alianza Lima, e o n.º 9 herói é Julián Álvarez, 22 anos e um corpo de desmarcação rápida escondida em 1,70 m. e 63 kg.
Ele foge aos defesas invadindo os espaços vazios em antecipação de leitura. E, depois, usando a bota direita com subtiliza sem barras de ferro, "passa a bola à baliza". O desmoronar do conto de fadas acontece quando "El Muñeco" Gallardo, o seu treinador, diz que gostava de ficar com ele até fim do ano (até fim da Libertadores). Não é possível. Daqui a cerca dum mês, esse "pibe" que enlouquece o Monumental, já vai ter que apresentar-se no Manchester City, que deu 18 milhões por ele num negócio feito em Janeiro.
2 - Findou a fase de grupos da Copa Libertadores e das 16 equipas apuradas para os "oitavos", vemos um confronto Brasil-Argentina (com 6 equipas cada). As quatro resistentes são Libertad e Cerro Porteño, do Paraguai, Emelec, do Equador, e Tolima, da Colômbia.
O Palmeiras de Abel mantém o mesmo estilo de jogo. Segurança defensiva, posicionando sempre muito bem a equipa atrás da linha da bola e facilidade em "esticar" rápido em posse, onde, na frente, a velocidade de Rony (feita mais para o espaço vertical da faixa) continua a fazer dele o "n.º 9 de ataque à profundidade". Com Dudu e Wesley como melhores apoios de desequilíbrio desde as alas, Rafael Veiga é o arquiteto criativo à frente da dupla de volantes chefiada por Danilo, que sabe tudo de passe e saída, junto de Zé Rafael.
3 - Paulo Sousa continua em busca da melhor expressão exibicional do Flamengo. Em termos ofensivos, os últimos jogos tocaram na fórmula mais objetiva e produtiva juntando Pedro (como n.º 9 puro/goleador de referência) e "Gabigol" (arrancando mais desde a meia-direita) ficando Bruno Henrique como extremo esquerdo. A maior dificuldade para manter esta opção será, imagino, controlar o ego de "Gabigol" que assim jogará mais longe da zona da finalização para vir buscar atrás em apoios ou mover-se em diagonais (dois gestos que faz muito bem).
O meio-campo continua a ser da mobilidade com visão de Arrascaeta, mas a principal afirmação da época é João Gomes (21 anos, vindo da formação), com perfil de "6" quase europeu na forma como dá a sensação de jogar mais lento mas sendo isso só expressão dum estilo que começa por privilegiar o sentido posicional desde trás e, depois, o sair a jogar controlando o ritmo e fazendo sobretudo correr a bola através do passe.
4 - Resgatando o início do texto com Álvarez, o craque que levou duas bolas para casa no fim do jogo (uma por cada "hat-trick"), o River é hoje a principal força do futebol argentino. O onze de Gallardo tem um 4x3x3 solidificado num triângulo do meio-campo muito tático, no sentido de cada jogador, desde Enzo Perez a "6" de equilíbrio-dividida-saída, até à "dupla de 8", com De la Cruz a apoiar mais nas faixas e Enzo Fernández a romper mais no jogo interior.
O Boca, que consegue mais resultados do que exibições, tem, talvez, o novo "6" mais promissor da Argentina, Varela (20 anos), mas não tem o mesmo poder de rutura entre os médios (gosto de ver Romero a tricotar). No ataque, só agora vai ter o craque insolente Villa (suspenso toda fase de grupos) num setor onde, a n.º 9, continua a ser Benedetto o principal nome do golo. Sabe que já não tem a explosão (e duração) de antes, mas aprendeu a selecionar melhor movimentos (e esforço).
MODELOS
Como está a evoluir o Corinthians de Vítor Pereira?
O Corinthians continua a alternar ente os sistemas de defesa a 3 (3x4x3) e o 4x2x3x1. Em qualquer opção, o núcleo da equipa é a dupla de médios-centro (Maycon, ficando como "6" mais defensivo, e Du Queiroz, rotativo a sair com a bola e definir na frente). Na busca de Vítor Pereira para manter a equipa sempre equilibrada taticamente no jogo (e, como disse, viva em todas a competições), eles são os jogadores mais importantes do onze (que perdeu Paulinho, lesão grave, no início da época). É neste sistema (4x2x3x1) que melhor pode entrar o jogo mais pausado, de visão e passe, de Renato Augusto como "terceiro médio". Em 3x4x3 ganha maior poder defensivo atrás (o trio de centrais Raul Gustavo-Gil-João Vítor) mas depende demais dos laterais na saída "por fora" (nestas posições, tenho gostado de ver o crescimento de Lucas Piton, na esquerda).
Com Roger Guedes jogando pouco (na luta entre querer jogar na faixa e Vítor Pereira o meter no meio), as alas ganham maior qualidade tática com a temporização e organização faixa-centro de Willian (desde a esquerda) enquanto na direita cada vez cresce mais o talento de finta e aparição para golo de Adson (21 anos, da formação). Jô é a referencia clássica de n.º 9 à espera de cruzamentos mas, embora o saiba servir dessa forma, a equipa não cai nessa vertigem e procura jogar apoiado na construção.
Quem me fez (faz) sonhar
"Xodó da Fiel"
Escrevendo sobre o Corinthians, volto atrás e recordo um craque que hoje é famoso pelos comentários desbocados na TV. É o Neto. E eu só quero mesmo recordá-lo como jogador. Deslumbrou nos anos 90 como médio, moderno n.º 10 com técnica fantástica, a marcar livres ou a fazer passes teleguiados, mas também com raça a aparecer nos grandes jogos. Guiou o onze ao primeiro título de campeão brasileiro em 90. Os adeptos adoravam-no e ficou, por isso, conhecido como o "Xodó da Fiel"! Até hoje.