PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Nunca tive, confesso, capacidade para explicar bem o que fui vendo ao longo da vida. Mas tive sempre a arte para descrever o que senti.
Por isso, acumulando tantas memórias com uma bola na cabeça, mais do que vi, recordo o que senti. Como uma música tem o dom de nos transportar para outros tempos e locais passados também o simples recordar de alguns jogadores (e, para isso, basta uma foto) nos faz, num ápice, voltar a esses tempos.
Os que têm o poder de provocar isso são os maiores que elevam o futebol ao nível da vida. No meu refúgio emocional, o Chalana é dos poucos que têm esse poder. Único. Original. Génio. Craque e cartoon. Astérix e lenda. Estrela de olhar triste, curioso ou tímido. Voz baixa, finta que era como grito de extremo a fazer amor com a bola, com o futebol todo. E, nessa altura, já não era (só) futebol. Era vida. Real e imaginária.
2 Recordo a primeira vez que o vi. Não foi em nenhum jogo ao vivo. Foi quando (tinha eu oito anos) fiquei intrigado como era possível alguém com 17 anos já estar a jogar na equipa principal do Benfica. Fiquei mais convencido quando, no poder da foto no jornal do dia seguinte que então era maior do que tudo, vi que ele já tinha uma farta barba. Naqueles anos 70 era moda. Foi a primeira imagem que tive dele. O cabelo de Asterix veio depois.
Conservo ainda, religiosamente, tantas, tantas, imagens dele gravadas na altura em velhas VHS que agora digitalizo. Gosto de contar como foi num desses momentos que fiquei hipnotizado ao (re)vê-lo, no início dos anos 80, num jogo com o Fortuna Dusseldorf.
Último minuto, 0-0, velha Luz a abarrotar, um passe do Alves isola-o na esquerda. E lá vai ele, rápido, bola controlada em toques curtos, olhos malandros, até parecia mais baixinho do que era, o defesa perdido, e bang!, golo. Era a passagem à meia-final da Taça das Taças. Depois seria, nesses anos 80, o nascer da imagem do "Chalanix", cabelo longo e bigode ululante. Era irreal.
3 O futebol fantástico que jogava já estava, sem se saber, metido numa moldura mediática que na altura não existia. A namorada vistosa, as histórias, a capa das revistas. Tudo adiantado no tempo. Como era o seu génio numa altura em que o futebol português vivia longe do poder.
Após o Euro 84, o fado de Bordeaux foi o sentimento triste que marcava a nossa existência. O Chalana não superou esse nosso terrível complexo de inferioridade que travou a consagração internacional a tantos craques desses tempos. Nem ele era um personalidade para revoluções. Era para fintar e ficar com um sorriso tímido. Trocista, talvez, gostava eu de pensar. Depois, vieram outros craques e o nosso futebol mudou na cabeça mas, nas chuteiras, ninguém, o tinha feito como o Chalana. Ele foi a minha adolescência. O primeiro grande amor de futebol não se esquece nunca!
1984: Seleção, Pedroto e Eriksson
Rever agora os jogos do Euro 84, coloca em perspetiva o que era o futebol português naquela fase e como ela foi rica em termos de crescimento sob diferentes influências. Um confronto e uma mescla de estilos que tinha como protagonista duas conceções de jogo:
A escola pura lusitana que emergia o FC Porto com a marca de Pedroto, já retirado por doença mas criador do estilo de bola no pé e jogo apoiado com maior caráter que expressava a equipa portista (base da Seleção) que começava a aparecer também na Europa. E a mais física com mais intensidade e velocidade junto da técnica, os três fatores que, no Benfica, o sueco Eriksson entendia como o triângulo da vida no futebol, influenciado pela escola anglo-saxónica.
A mescla destas duas escolas numa seleção com maior personalidade em relação a anteriores resultou na afirmação dum grupo de jogadores como antes nunca tinha acontecido, apesar do valor, sobretudo tecnicista, da nossa escola estilística ter sempre existido.
Chalana foi como uma ironia, um exemplar exótico e único, à margem disso tudo. Por isso, Eriksson muitas vezes não o entendia bem porque no futuro, ele era supra-estilo. Ver jogos desse tempo é perceber um dos ciclo de debate técnico-estilístico mais ricos do futebol português