A JOGAR FORA - Opinião de Jaime Cancella de Abreu
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1 - É tão legítimo os dirigentes do Flamengo desembarcarem em Lisboa com o não disfarçado objetivo de levar Jorge Jesus com eles para a Gávea quanto foi o raide que Luís Filipe Vieira fez ao Rio de Janeiro para o trazer de regresso ao Benfica no verão de 2020. Difícil é que uns e outro se tenham dado ao trabalho de atravessar o Atlântico sem uma prévia palavra de assentimento do técnico - que sempre alimentou o seu ego e pressionou a negociação de contratos com números como este.
Já do domínio do surreal é que tenha convidado (com a descuidada conivência ou a singela anuência de Rui Costa) os senhores Braz e Spindel para jantar em sua casa na véspera de tão decisivos clássicos sem que as mais do que previsíveis ondas de choque que o encontro iria causar tenham sido previamente perspetivadas e avaliadas. Para que o cúmulo fosse atingido, só faltou que o treinador tivesse visto o clássico do Dragão no mesmo camarote dos dois dirigentes brasileiros.
2 - E quem não sabe que um grupo não vai a lado algum alimentando dúvidas sobre o futuro do seu chefe? Ou, ainda pior, que motivações extra encontrarão os jogadores para darem a vida por um treinador que os trata abaixo de cão se o secreto desejo de dele se verem livres pairar sobre as suas cabeças? Com tanto disparate cometido em tão pouco tempo, que mais poderíamos esperar se não um conjunto de onze homens à deriva no bem tratado relvado do Dragão? Por mais erros infantis que tenham cometido, por mais incapazes que se tenham revelado no cumprimento do plano de jogo, foram eles os menos culpados da humilhação que todos vivemos na noite de quinta-feira.
3 - Jorge Jesus sempre foi desconsiderado pelo seu proverbial sem-jeito para comunicar - que amiúde o faz entrar para os anedotários que pululam pelas redes sociais - e pela soberba com que confunde chefiar com liderar, mas sempre lhe foram reconhecidos méritos táticos tais que lhe permitiam relativizar aqueles dois funestos handicaps. Porém, o recente banho tático com que Rúben Amorim o brindou na Luz fez com que passasse de vez a ser olhado como um treinador ultrapassado, incapaz de se reinventar, prestes a oferecer uma segunda época sem títulos aos milhões de adeptos do clube que dispõe do mais valioso plantel de Portugal e coloca à disposição dos treinadores as melhores condições de trabalho do país. Conheço centenas (ou talvez milhares) de benfiquistas e sou abordado por muitos outros na rua - não encontro um único que defenda a continuidade de Jorge Jesus. É difícil que isto tenha um final feliz.
4 - Pode o técnico de um clube para quem a formação é uma opção estratégica - e uma forma de vida! - desprezar tão ostensivamente os frutos do virtuoso trabalho que nela vai sendo desenvolvido? Esta absurda contradição, da qual é responsável Luís Filipe Vieira, ironicamente a pessoa a quem se deve a excelência do trabalho feito no Benfica Campus, precisa ser urgentemente resolvida - a bem do futuro do Benfica.
5 - Rui Vitória saiu da penosa forma que se conhece; de Bruno Lage está por se saber como foi possível passar do sonho ao pesadelo em menos tempo do que o diabo leva a esfregar um olho; e não preciso recorrer às bruxas do futebol para antever o caminho que aguarda Jorge Jesus até que passe de vez à história - independentemente das maiores ou menores responsabilidades que cada um tem nos seus insucessos, há qualquer coisa de comum aos trajetos de todos eles que o Benfica precisa resolver sob pena de voltar a tornar-se um cemitério de treinadores e um alfobre de frustrações para os seus dedicados adeptos.
6 - Precisaria de mais umas tantas linhas para desabafar sobre a vergonhosa nomeação e a desastrosa arbitragem de Fábio Veríssimo - um dos piores, se não o pior, árbitro português - e sobre os cada vez mais duvidosos centímetros das a(var)iadas linhas de fora de jogo, mas guardo o pouco espaço que me sobra para desejar a todos os amigos leitores um FANTÁSTICO 2022 - "Com saúde e dinheiro para vinho!", assim sempre desejava o meu pai.