PLANETA DO FUTEBOL -Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Há uma nova arquitetura em Madrid. Sem ponta-de-lança, com Benzema seduzido pelo futebol faraónico com toalha na cabeça, Ancelotti pintou um quadro tático novo e o Real surgiu num losango com dois avançados soltos.
Um intervalo no clássico 4x3x3 e a investida por um 4x4x2 em "rombo".
Não muda o modelo de jogo, muda o sistema. Em termos de princípios, continua a movimentar-se com o futebol apoiado que elabora bem a construção a meio-campo mas, nesse processo, tem novos pilares a firmar-se, tecnicamente abençoados pelas obras táticas completas Modric e Kroos que, no primeiro jogo, em Bilbau, sentaram-se no banco para também ver este renovado desenho merengue. No vértice ofensivo do losango, como epicentro da dinâmica tática em passada larga, o primeiro novo dono do onze: Bellingham.
2 Apenas 20 anos e uma autoridade que come o corredor central, jogando mais adiantado, quase um "10" moderno que recua, move-se e avança, em relação ao anterior "8" de pegar e arrancar desde trás que se revelara antes em Dortmund.
Está, assim, em todas as fases de jogo. Início e fim das jogadas. Um amplitude periférica sempre influente que mais do que o físico pernilongo que come metros e metros de relva, emerge da inteligência como se move por todos os espaços, selecionando em antecipação quais os certos a pisar para dar lógica de jogo coletivo ao seu jogo... individual. Completo!
Tchouaméni é o pivô "6" que segura e equilibra a equipa, Fede Valverde o ala direito que pega no jogo verticalmente buscando ataque e remate (dando faixa às subidas de Carvajal) e Camavinga o elemento mais híbrido e que ainda busca perceber melhor como mover-se neste sistema. A partir da ala esquerda tem mais tendência a pegar dentro quase fazendo muitas vezes duplo pivô (mais na saída de bola) em vez de dar largura (que surge, com profundidade, nas subidas do lateral canhoto Fran García, vindo do Rayo). É o corredor em que o sistema busca melhor afinação.
3 Com esta mudança tática, Ancelotti está a adaptar as qualidades dos jogadores à necessidade tática da equipa que tem de encontrar novas formas de expressar-se. Foi buscar um nº9 em plena "segunda vida futebolística", Joselu, 33 anos, mas percebe que só por ele não pode manter o 4x3x3. Assim, sem um goleador por natureza, solta dois vagabundos rebeldes na frente do ataque: Rodrygo e Vinícius Júnior.
Rodrygo é o mais próximo de ser um "9". Ou melhor de pisar mais em especialização os espaços tradicionais do nº9 quando nele aparece. Vinícius é rebelde puro. Cada arrancada sua é um promessa de terramoto no jogo. A sua finta em progressão tem "ginga" ao passar pelo defesa e invenção depois ao entrar no espaço de definição, seja passe ou remate. É o melhor jogador do mundo puramente criativo em velocidade.
Rodrygo é, porém, mais fino nas movimentações. Engana mais com o olhar e a cara de quem não quer meter-se com ninguém para, depois, aparecer onde ninguém esperava como um ladrão no silêncio da noite, num assalto, a tentar descobrir a chave-segredo dum cofre. Tantas, tantas voltas e, de repente, "clic", já está, porta aberta, assalto, golo!
4 Várias equipas já ganharam grandes títulos ao longo da história sem ter um verdadeiro grande goleador nº9 mas essa não é a regra. A fórmula são nove posições e duas profissões: a do guarda-redes e a do ponta-de-lança.
Apesar das travessuras destes dois moleques apaixonantes confesso que é perturbante ver o Real sem um grande nº9 ponta-de-lança como sempre teve. Será mesmo, aposto, muito difícil Ancelotti resistir desta forma ao mais alto nível internacional. Nunca ninguém resistiu em Madrid sem um ponta-de-lança que ganhasse jogos (desde os anos 70/80, de Santillana e Hugo Sánchez a Ronaldo e Benzema)
Até fechar o mercado, enquanto pairam os nomes de Mbappé e Vlahovic (Kane, o preferido de Ancelotti, já fugiu), todos olham taticamente desconfiados, de lado, para o dançar do "rombo", o losango.