PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Até onde se pode reconstruir um estilo de jogo? Penso nisso vendo o regresso de Van Gaal ao comando da Holanda em pleno período de dificuldade de afirmação duma forma de jogar que mudou as tendências do jogo desde os anos 70. O tempo que vivemos é, no entanto, diferente. Essa revolução influenciou escolas por todo o mundo, mas dependeu sempre muito das gerações de jogadores para a operacionalizar. Foi, assim, ao longo dos anos, conhecendo cíclicas dificuldades de afirmação. Este é mais um desses momentos.
Em termos de liderança e modelo, nunca foi fácil treinar a seleção holandesa. Cada selecionador, em épocas diferentes, lidou com o enorme ego (carácter promovedor de conflitos) dos grandes jogadores holandeses de cada época. Após a geração loira dos anos 70, surgiu a geração miscigenada dos 80 em que o núcleo do Suriname como que reinventou o estilo holandês depois de Cruyff.
Nessa altura ainda teve Rinus Michels, fundador da escola revolucionária laranja, a fazer a ligação entre o grupo de Cruyff (de 74) e o grupo de Gullit (de 88). Quando ele abandonou o banco, os problemas internos na seleção nunca mais acabaram. A entrada dos anos 90 foi o epicentro quando surgiam então várias novas referências de técnicos holandeses como Hiddink, Beenahkker, Advocaat (que orientaram a seleção em total conflito interno nos Mundiais 90 e 94), Aad Mos e, claro, Cruyff.
2 - Foi nesse contexto, de luta de egos, que emergiu um treinador "out of the box", no perfil, gestos e pensamentos. O então jovem Louis Van Gaal conseguiu juntar todas essas diferentas peças acrescentando a cultura de formação holandesa no novo Ajax multicultural de 95, lançando a geração de Seedorf, Davids, Kluivert, entre outros, ainda com o patriarcal Rijkaard.
As suas passagens pela seleção (2000-2002 e 2012-2014) nunca tiveram, porém, o mesmo poder unificador de liderança.
Foram, mais do que para pensar/estruturar o edifício nacional, para formar apenas equipas para dois Mundiais). Van Gaal é, independente de qualquer valoração técnica, o único que sempre viveu acima disso. Por personalidade (caráter) e ideias (método). Nunca receou (até promoveu) um perfil de arrogância comunicacional. O problema, porém, é que há uma equipa para jogar e, nesse ponto, a seleção holandesa, mesmo que os jogadores estudem pelos mesmo livros de estilo do passado, não conseguem, no presente, reproduzir essa ideologia na prática em campo.
3 - Regressa ao bater nos 70 anos: "Futebol dominante é aquele em que a minha equipa decide como o adversário vai jogar e nunca o contrário, em que o adversário decide onde temos nós de jogar". Esta ideia, pressupõe um principio de cultura de posse que não se esgota em... ter a bola. "As minhas equipas jogarão sempre num estilo mais ofensivo, embora nesta época têm de ter também características mais defensivas... com melhor organização defensiva e criar espaços para os meus avançados que têm de ser muito rápidos... Isso também é futebol dominante".
Ao pensar hoje assim o jogo, Van Gaal busca um compromisso com "outro estilo" capaz de ser aculturado pela escola holandesa. Mais do que lhe acrescentar algo, esse processo (numa época em que as seleções não têm tempo para treinar) tem confundido mais o genuíno estilo holandês do que enriquecê-lo.
4 - Reconstruir um estilo é, por isso, um processo quase sempre de contraciclo. A incorporação do estilo do Suriname, então quase autonomizado na raiz, teve na altura um poder que hoje não seria possível de reproduzir com novos grupos que, sem essa genuinidade de origem, já nascem criados na divisão.
O talento (ou diferentes estilos de talento) são riquíssimos no futebol holandês mas para percebermos, numa simples constatação, como difícil é criar essa identidade, basta dizer que estamos a falar de um pais centro-europeu que, sem se dividir, decidiu mudar de nome em pleno Séc. XXI. A Holanda e os Países Baixos.