PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Os sistemas táticos podem descrever-se da mesma forma simplificadamente numérica, mas entre um 4x3x3 e um 4x4x2 existe um abismo estrutural por natureza.
Enquanto o 4x3x3 tem uma ocupação racional de todos os espaços, largura e interior, o 4x4x2 tem uma movimentação permanente que retira essas referências tão claras aos jogadores que ocupam uma determinada posição de raiz mas, na mobilidade do sistema, são obrigados (ou têm essa liberdade) a ocupar outras diferentes.
Por isso, não é fácil montar um 4x4x2 numa equipa onde os jogadores não estão habituados a jogar (movimentar-se) dessa forma. A forma como Portugal entrou contra a Nigéria, mostrou um esboço de vontade em poder jogar em 4x4x2 sem o dizer declaradamente. Via-se, por exemplo, na forma como João Félix alternava entre jogar mais aberto ou metido quase a segundo-avançado junto de André Silva. Mas até onde a liberdade é possível? Pensem em Otávio, Félix, Bruno Fernandes, Bernardo Silva.
2 Com Bruno Fernandes a jogar, alternadamente, entre faixa e centro, ao mesmo tempo que Otávio foi tantas vezes para os terrenos interiores que são cada vez mais o seu destino e, por isso, sentiu-se a dimensão máxima do seu jogo neste ensaio na Seleção (embora se pegar na bola mais trás fica muito longe da baliza adversária onde faz maior diferença). A questão coletiva, neste contexto, passa, consequentemente, a ser outra. Não donde o jogador parte, mas onde ele estaciona (posição) para verdadeiramente jogar como o treinador pretende no contexto da equipa. É nesse sentido que vemos o que muda com Bruno Fernandes a surgir e a pegar no jogo por zonas interiores. Nesse momento, tem, imediatamente, uma interferência de decisão e não meramente de participação.
Ou seja, há jogadores indispensáveis para protagonistas e outros fundamentais para papéis secundários, taticamente falando, na relação princípio-fim das jogadas
3 É nas variações de sistemas que se nota qual o jogador que traz mais esses hábitos do clube e, por isso, encaixa-se rapidamente nessa alternância de pensamento numa equipa (a seleção) que não tem tempo para treinar essas mudanças estruturais.
A primeira parte deste jogo denunciou o "jogador mutante" mais solidificado: Otávio. A sua relação entre as diferentes posições (entenda-se ocupação de espaços) é feita com a naturalidade de quem joga dessa forma como respira no dia-a-dia. Nesse sentido, ele foi o melhor "bom problema" que saiu deste jogo para as opções/cabeça de Fernando Santos: como encaixar Otávio num onze já pensado em 4x2x3x1 com Wiliam a nº8 e Bernardo e Leão nas faixas mais Bruno Fernandes a nº10 solto. Uma pergunta que terá, quase de certeza a resposta de que o onze-base já está na sua cabeça e essa alteração só poderá surgir no decorrer do próximo jogo.
Ronaldo só pode ser número 9
O 4x2x3x1 é uma "casa tática global" mais natural para esta equipa (e seus princípios de jogo) mas Fernando Santos cada vez mais se convence que para manter Ronaldo sempre no onze titular e ele continuar sempre em jogo (mesmo havendo a tentação de o substituir aos 75 minutos) é, muitos desses momentos de jogo, tendo outro avançado a seu lado, no tal 4x4x2, porque, nesta fase uma coisa penso que é clara: o único lugar onde Ronaldo pode jogar é como ponta-de-lança. Esqueçam a ala esquerda a atacar (isso foram outros tempos). Nesse local e dinâmica (sem Jota, a grande baixa da Seleção para este mundial) o homem é Rafael Leão. A única casa tática o onze em que Ronaldo pode e deve jogar, com poder de finalização resgatado pela motivação, limpeza mental e pressão - que intencionalmente colocou em cima de si próprio com aquela entrevista disfuncional - é a ponta-de-lança. Fazer-nos ganhar sem pensar em fazer-nos..... jogar. Para isso, há todo o resto da equipa.
Este foi, nesse aspeto, um jogo sem debates paralelos sobre o "mundo Ronaldo". Continua, na minha visão, indiscutível, mas, obrigatoriamente de forma diferente de outros tempos. Entrar numa dupla de ataque seria hoje o melhor para ele mas a Seleção não joga, por princípio, assim.