PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Um contrato único, para um jogador único. Assim definiria, com duas realidades paralelas, todo o cenário da apresentação de Ronaldo no Al-Nassr que, em síntese, traduz como ele continua a ser o ego mais rentável do futebol atual e até da sua história.
Numa fase em que a reta final da carreira o retiraram dos grandes cubes, conseguiu inventar uma realidade grandiosa e única só para a sua existência.
O maior contrato da história do futebol. Já longe dos relvados europeus, mas como um ser profético que, por si só, quer reinventar o futebol de um novo continente, o futebol árabe, que, ao mesmo tempo, com o seu dinheiro teocrático, já comprou muito do que é hoje a Europa do futebol. É quase surreal mas esta era a única forma de, nesta altura, poder reerguer-se como um gigante. Inventando um mundo virtual para essa grandeza poder existir.
Recordei ao mesmo tempo a sua apresentação no Real Madrid, então com Di Stefano e Eusébio a recebê-lo, e nada do que via agora parecia verdadeiro ou fazer sentido para a dimensão que atingiu. Fazia, porém, para o seu ego, e isso bastava.
2 A Arábia Saudita vende assim uma imagem avatar de si própria. Todos sabemos de que matéria o seu regime é feito, como os direitos humanos são violados. Haverá sempre uma elite, por entre esse mundo faraónico, que possa falar dos oásis com "outras vidas" que nele existem. É onde vive a teocracia dona do país e seus convidados de luxo.
É discutível se a visibilidade e eco gigante das grandes personagens do futebol (e de cada desporto) dá-lhes também a responsabilidade de serem voz na defesa destas causas da humanidade.
Não serão, admito, obrigados a isso mas é quando o fazem que marcam a diferença na história. Ronaldo tocou, levemente, no tema sensível das mulheres, falando de querer fazer evoluir a mentalidade do país. Tudo isto, porém, dentro do tal cenário de realidade paralela virtual criada (para o seu verdadeiro momento da carreira e do país em que está) com Georgina respeitando códigos de vestimenta e uma apresentadora marroquina sorridente.
3 Recordo como Rapinoe, após ser campeã do mundo feminina pelos EUA, criticou Trump, recusou ir à Casa Branca e defendeu a comunidade LGBT. As lutas na história têm outros grandes exemplos de rebeldes que afrontaram o poder, de Muhammad Ali, contra a descriminação racial, a Colin Kaepernik, pelos direitos civis. Todos ergueram-se acima dos seus interesses.
Não ouso sonhar que Ronaldo mude o mundo árabe mas, após inventar "moinhos de vento" europeus (de Manchester à Seleção) contra quem lutar, o supremo receio será vê-lo como sua imagem de propaganda, no qual, por entre este contrato único, esboça-se querer o Mundial"2030 que, após o Catar 2022, nos remete para a inversão de todos os valores que o mundo (e o futebol) deve seguir.
O avião e a sombra de Enzo
A derrota do Benfica em Braga esteve longe de ser apenas caso de um jogador insolente que, após uma exibição fantasmagórica, desrespeitou o clube e colocou em causa o que era um grupo que parecia intocável na sua caminhada e comunhão. Enzo Fernández é um grande jogador a nascer (e que a Europa descobriu verdadeiramente no Mundial) mas é, sobretudo, um produto de um novo futebol infiel a valores e selvagem no mercado que tem como habitat. Só nesse plano existencial é possível tudo o que, voando sem autorização com o seu empresário, fez sem sentir sombra de pecado ao clube que lhe paga e o lançou.
Neste cenário, a situação torna-se delicada de gerir. Nenhum clube está a salvo destas atitudes que se repetem. O primeiro impulso será de retaliação disciplinar mas rapidamente surge um segundo pensamento que leva a racionalizar a questão até subverter (condicionando) a atitude mais digna a tomar mas, obviamente, menos rentável financeiramente em face do negócio que está como moldura inevitável de todo este cenário provocado.
Ao mesmo tempo, há uma equipa a jogar e para treinar. Schmidt, o treinador, tentou limpar (um pouco) a imagem do jogador mas este Benfica, o clube, não o pode seguir no discurso. Em campo, estará o onze. Fora dele, está uma cultura de clube inegociável.