PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Ao mesmo tempo que o elefante com pés de bailarino Benzema escrevia outra noite europeia épica em Madrid contra um onze de máquinas do Chelsea de Tuchel, a Champions sentia o impacto de perder a, talvez, última das suas maiores estrelas, Lewandowski, afundado pelo "submarino amarelo" de Emery, o Villarreal, que após aguentar todos os "panzers" de Munique, montou no último minuto um supersónico contra-ataque de manual, conectado por Lo Celso, Parejo, Moreno e Chunkweze.
Num rasgo, Nagelsmann, a treinar desde o berço, percebeu como ainda existem muitos livros da história do futebol (táticas e venenos) que ainda lhe falta ler.
2 - A Champions já chegara aos quartos sem a dinastia real dos últimos 15 anos, Ronaldo-Messi, além de Mbappé e Neymar (os "príncipes do nada" em Paris). Pressente-se a mudança de era e, com isso, outros nomes que fazem verdadeiramente funcionar o futebol podem ganhar um espaço dourado que antes lhes estava vedado. Só Modric, em 2018, rasgara a ditadura binária luso-argentina. O passe com o exterior, a "trivela poética", com que metera a bola, precisa, para Rodrygo reacender uma eliminatória que parecia perdida, foi, por isso, como um gesto de ironia dum pequeno croata aos 36 anos, grito de duende fazendo amor com o futebol.
As meias-finais com duas equipas espanholas e duas inglesas escondem um confronto que pode inverter muitas lógicas de estilo. Penso, até, nos treinadores que se vão defrontar. Todos clássicos das competições europeias, o choque de mundos Klopp-Guardiola, a liderança tranquila de Ancelotti e o especialista de "um jogo só", Emery (perfume das Taças).
3 - O Manchester City parece que cedeu aos ensinamentos das derrotas em anos anteriores. Ninguém como Guardiola chegou a tantas meias-finais da Champions (9) e perdeu depois, nesse momento de verdade absoluta decisiva, o ritmo tático certo do último passo para ganhar. Por isso, ver como abordou, os dois últimos jogos, na Premier League com o Liverpool de Klopp da intensidade e vertigem profunda, e na Champions contra o At. Madrid "barco-pirata de Simeone" da espera e contra-ataque, pode abrir como portas secretas nunca antes exploradas pelo "Guardiolismo dogmático".
Refiro-me, primeiro, a como contra o Liverpool, quase num jogo de espelhos, quando o exército de pressão de Klopp sufocava a saída de bola (primeira fase de construção) apoiada do City, os seus defesas não hesitaram em jogar na profundidade para apanhar as costas da defesa adversária (inclusive, claro, com os pontapés longos certeiros do guarda-redes Ederson). Depois, penso, claro, como frente à pré-história trazida para o presente por Simeone com uma brutal intensidade e ataque pressionante (em cada bola dividida ou jogada ofensiva) como que vestiu a pele tática do inimigo ideológico.
Mascarou-se defensivamente, provocou conflitos, demorou a repor a bola em jogo e tornou homens do jogo um central (Stones) e o guarda-redes (Ederson), metendo até um médio mais defensivo, Fernandinho, nos últimos minutos. Um disfarce que levou até Simeone a aplaudir de pé durante longos minutos como que elevando o mais sublime teatro da Champions.
4 - Benzema, Salah, De Bruyne, Parejo. Se, na ausência dos tais reis e príncipes da ultima dinastia (tirando, claro, o intruso Modric) tivesse de escolher quatro nomes para abrirem novos momentos de premiar jogadores de carne e osso, estes seriam os meus (um por cada equipa nas meias). Vejo neles a alma personificada desses onzes e, sobretudo, a explicação de como isso (e consequentemente o ganhar jogos) é pura e simplesmente saber jogar bem, com a bola, seja em toques de classe ou em sprints de velocidade.
Confesso, porém, que meter um anti-herói como Parejo neste elenco dá um prazer extra. Um jogador que escavou túneis longe das grandes equipas ou títulos sempre com uma bola atada à bota explicando como se joga futebol. Abre-se, com raízes no melhor passado tecnicista, um novo futuro de ilusões.