PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Quando fez a primeira época de sénior no Loures, vindo dos sub-19 do Estoril que o descobrira em Linda-a-Velha, ninguém viu qualquer referência a ele. São muitas as vezes que vemos promessas de craques caídos do berço, mas em quase todas essas alucinações precoces existe o comum da lente da realidade aumentada das equipas grandes e seus derivados. O futebol de verdade, porém, está quase sempre escondido em tocas diferentes, quase anónimas e ignoradas por esse mundo de ilusões.
Rodrigo Martins é o miúdo da frase inicial. Ao vê-lo correr com a bola controlada, misturando pausa, finta e aceleração, terminadas com passes ou remates, guiando o Mafra à meia-final da Taça (goleando em Portimão) destapava-se, por fim, essa realidade do futebol português profundo. Com apenas 23 anos (tendo entretanto também já passado pelo Cova da Piedade e Covilhã) ainda está a tempo de chegar onde o seu futebol corresponde, mas muitos são os casos em que isso não acontece. Basta não existir no caminho um jogo destes transformado quase como um "toque de Midas" na carreira.
2 - Esta edição da Taça, pelos caprichos do sorteio e heróis do tal futebol profundo, tem sido um local ideal para equipas pequenas sonharem. Ver Mafra e Tondela discutir a presença na Final faz bem ao futebol dos "sonhos impossíveis" que gosto de acreditar ainda existir com poder para se intrometer, com a cara suja, entre a elite que, protegida pelos muros financeiros do negócio, tornaram esse direito de admissão quase impenetrável.
Pako Ayestarán é um treinador que também não se vende pela imagem. Um espanhol sem currículo, discurso discreto, careca e que vai para o banco de boné e fato de treino. Mesmo assim, tenho por aqui falado várias vezes nele. Pela forma como organiza a sua equipa (jogando melhor ou pior) e mantém a coerência serena de como a quer colocar a jogar. Assim, tanto as recuperações do João Pedro como as correrias do Salvador Agra fazem mais sentido para combinar com o poder de segurar, rodar e rematar de Dadashov.
3 - Honra também nesta eliminatória ao mais digno perdedor, o Leça, da IV Divisão do nosso futebol, obrigado a aumentar as distâncias para o grande que defrontava ao ter de jogar (sem explicação desportiva lógica) fora de sua casa. Muitas vezes é a forma como se perde que agiganta a figura dos mais pequenos.
Na outra meia-final, estará um clássico entre grandes, FC Porto e Sporting. Assistir a este choque de mundos em dois jogos das meias-finais com realidades tão distantes, mas subitamente tornadas próximas (e no mesmo plano competitivo) faz-me sentir a Taça como o último reduto do futebol perdido dos velhos tempos. Que se lembrem agora de como está o Jamor, meca lendária da Final, e tratem dele para que o respeito pela história, por curtos dias que sejam, volte a fazer sentido.
Futebolista, um ser estranho
Na despedida mostrou a camisola com a qual em várias épocas fez das coisas mais lindas em termos de futebol nos nossos relvados. Corona despediu-se, tentando, num último gesto, tocar no coração dos adeptos portistas depois de meia época e após um defeso em que se falou da sua venda todos os dias, pareceu entrar em campo sempre com a cabeça noutro lado. Foi uma última imagem (em muitos jogos) demasiado mercantilista, tal a forma disfuncional como estava a jogar (e até sua atitude no jogo) em contraste com as tais exibições deslumbrantes anteriores.
O jogador de futebol é um "animal competitivo" complicado e, nesse sentido reativo, todos são diferentes. Em situações similares, no mesmo local, exemplos como Herrera (da mesma origem mexicana, mas de outra casta mental) deram a sensação oposta. O ser humano que vem atrelado ao futebolista é mais imprevisível (ou caprichoso) do que tudo o resto.
Ficar com o jogador neste estado era insistir num contraciclo, mas é impossível ficar indiferente a como os mundos paralelos do negócio (e vozes dele na cabeça do jogador) transformam a essência dum futebolista até ele se deixar devorar na sua personalidade competitiva. Percebo a defesa dos seus interesses fora do campo. Custa-me, no entanto aceitar a renúncia em ser ele próprio dentro dele.