PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Há momentos em que a equipa é exclusivamente dos jogadores.
Não me refiro ao jogo partido em que o treinador só assiste do banco porque nenhum grito já é capaz de lá chegar. Refiro quando a atmosfera fica tensa com maus resultados, tudo é colocado em causa e a sua mensagem (para dentro e para fora) começa a bater num muro de impotência.
Por vezes, nem mudou nada do que antes o fizera ganhar, mas o efeito desvaneceu-se. Nessa altura, os jogadores acreditam ou não, agarram o processo ou deixam-no cair (o treinador). O futebol está cheio destas histórias.
Leio que ao intervalo de Alvalade, quando o Sporting perdia com o Casa Pia, foram os capitães que assumiram falar ao grupo. Amorim assumiu que pouco disse e deixou Coates e Neto que, impedidos de jogar, baixaram ao balneário para puxar pelo orgulho e revolta interior da equipa. Deram-lhes calma e confiança estando dentro da cabeça deles, porque, no fundo, são um deles e não o alguém que dependia deles. A equipa reentrou a voar e virou para 3-1. Foi importante, claro, a entrada de Paulinho, n.º9 de referência e apoios em vez do trio de criativos siameses móvel, mas esta mudança tática já antes fora feita sem igual impacto.
2 Amorim tem um potencial enorme como treinador, mas sinto que está preso à formula (de táctica e comunicação) que o fez irromper com um sucesso nesse mundo dos bancos que agora está a conhecer como traiçoeiro e não tão amável como no início. A questão é mesma essa: a repetição da fórmula num contexto que tornou-se diferente por seu próprio mérito no qual provocou um (bom) aumento de exigências.
O futebol tem uma lógica diferente. Existe um lado bom no "sou teimoso" de Amorim, mas este seu Sporting necessita assumir-se diferente. Como comunica (em campo e fora dele) e saber meter jogadores de outro tipo (perfil e estatuto) capazes de iniciar um novo ciclo, sem perder as bases (do jogo) e grupo (do balneário) que o fundaram. À evolução de Amorim corresponderá a evolução desta ideia de Sporting. Até a teimosia tem "upgrades". E nem sempre são os jogadores a fazê-la ao intervalo no balneário.
3 Está confirmado. O Casa Pia é das melhores novidades de "ar fresco futebolístico" que este campeonato trouxe. Como joga e, também, como comunica (viu-se, no fim, nas "flashes" de Felipe Martins e Vasco Fernandes) juntando treinadores e jogadores. Uma equipa ainda em busca da sua casa para jogar/viver mas que monta facilmente a sua "tenda de futebol positivo" em qualquer lado. Poderá dizer-se que vive sem pressão (o que é verdade), mas antes de tudo (até do dinheiro que suporta este seu ressuscitar como clube) estão as ideias. E este Casa Pia séc. XXI tem um boa ideia para essa nova existência.
A nova "motatização" do Paços
Zé Mota regressa à Mata Real 14 anos depois e reentra como se nada tivesse mudado. Foi ele que criou, então, o famoso jogar "à Paços", atitude competitiva de lutar por todas as bolas e velocidade a atacar num 4x3x3 simplificado: a bola é para ser roubada e a posse para chegar o mais rápido possível à baliza adversária.
Sucede a Peixoto e outros treinadores (Rui Vitória, Paulo Fonseca, Seabra, etc.) que em nome do jogo apoiado e outras nuances mudaram todo aquele estilo-base. Chamei-lhe, então, a "desmotatização" do jogo do Paços.
Agora, mais que um novo treinador, o Paços procura o estado de espírito capaz de resgatar as raízes do clube. No fundo, visa, num momento de perda de referências, a "remotatização" do Paços. Dar alma e um sistema simplificado a um onze desconjuntado. Em Famalicão, já se viu essa intenção, com o 4x3x3 posicional (ficando, por exemplo, sem pensar em mais variantes, Antunes lateral e Uilton extremo). A equipa entrou bem, mas sentiu a bola queimar e pareceu distante das coisas taticamente simples da vida futebolística. Mota terá essa missão nos próximos tempos. Salvar o presente resgatando bases de um passado que se julgava fechado. Nunca está. O instinto de sobrevivência pode mesmo ser a coisa mais primária.