PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Marselha, o futebol da cidade do vento, ainda é a que se aproxima mais do glamour faraónico de Paris, mas, nas mãos de Sampaoli, um treinador sonhador argentino que virou um cientista louco, a equipa não estabiliza a sua ideia de jogo para ter consistência capaz de lutar pelo título (13 pontos de distância).
Nessas variantes, o maior debate está, jogando preferencialmente em 4x3x3, em ter ou não um n.º 9 de raiz (como Milik) ou o chamado "falso 9" (o caprichoso Payet), a opção mais utilizada. A qualidade da posse pretendida por Sampaoli aumenta mas a presença ofensiva rematadora diminui. Algo que se sente mais porque embora tendo um bom meio-campo controlador (com Kamara a pivô e a dupla de interiores Guendozi-Gerson) não possui rutura desde trás dos médios.
É, assim, pelas alas que cria mais desequilíbrios, podendo lançar a velocidade de Under, as diagonais de Dieng e o jogo criativo de Luiz Henrique, ainda em crescimento. A sensação que dá, no entanto, na maioria do tempo nos jogos, é a de ser uma equipa em conflito consigo própria.
2 - O Nice foi a equipa que mais investiu esta época para tentar desafiar o PSG. Contratou para isso o treinador, Christophe Galtier, que conseguira o título impossível com o Lille na época anterior, mas, numa nova realidade, a equipa demorou até encontrar a consistência do seu melhor futebol.
Alternando entre o 4x3x3 (com Delort como ponta-de-lança) e o 4x4x2 (juntando o criativo Gouri, da ala para uma espécie de segundo avançado), tem a velocidade de Kluivert na outra faixa mas foi no futebol de grande amplitude de Khéphren Thuram, 20 anos, que teve a melhor revelação. Em passada larga (1,91m), no meio como "n.º 8 queima-linhas" ou mais aberto para dar largura e saída de bola até ao ataque. É um tipo de jogador que rareia no atual futebol francês antes devoto deste tipo de corre-caminhos físicos com técnica intimidatória (o estilo-Vieira). Thuram, com origens em Guadalupe, ainda é um produto em formação mas tem nele algo desse "pedigree" perdido.
3 - Lyon e Mónaco têm, ambos, jogadores com qualidade para jogarem melhor futebol. Caíram para o meio da tabela e parecem, muitas vezes, equipas sem o estímulo competitivo certo. Questão mental, talvez.
O Mónaco de Philippe Clément, com dois centrais fortes (Disasi-Maripan) tem a sua principal força no corredor central a partir dum duplo pivô muito culto na contenção e na visão fluida/simples de saída na transição defesa-ataque. Juntos, Tchoumeni e Fofana, combinam técnica e força, mas, depois, falta um n.º 10 (médio-ofensivo) que ligue o jogo ao ponta-de-lança Ben Yedder (o tipo de n.º 9 que quando lhe dão um metro ele ganha logo mais dois a seguir, e em espaço curto ou mais longo é muito rápido a decidir o remate). Neste contexto, o brasileiro Jean Lucas, n.º 8 de saída, tem ganho espaço no onze, enquanto a melhor fase de Volland já passou.
É, porém, com Diop a passar de ala direito para segundo avançado que o 4x2x3x1 ganha maior profundidade de jogo interior, enquanto na faixa surge Vanderson (20 anos, lateral de origem, vindo do Grémio). É, porém, na esquerda, com a combinação entre o sólido lateral Caio Henrique e as iniciativas de Gelson Martins que a equipa fica mais perigosa.
4 - Tendo perdido neste mercado o seu chefe do meio-campo, Bruno Guimarães (foi para Newcastle), o Lyon de Peter Bosz busca criar novas referências para o seu centro do jogo. Caqueret, juntamente com a visão de Aouar, são quem pega no espaço duplo pivô. Têm sentido posicional mas sem a mesma agressividade tática que se espera o regresso de Ndombelé possa dar. Num esquema de 4x2x3x1, é Lucas Paquetá como n.º 10 que gere o critério e a imaginação da equipa.
Em torno dele, todos os outros jogadores quase desaparecem. O nível exibicional coletivo depende demais da sua inspiração mas neste mercado a aposta no "craque-garçon" Faivre, 23 anos (ex-Brest), deu criatividade com critério (mobilidade e remate) desde a ala direita como antes não existia, ficando Ekambi como o possante dono da ala esquerda, sempre em busca de diagonais de aproximação ao "espaço 9".
MODELOS
Como jogam o campeão Lille e a sensação Rennes?
Após o fantástico título da época passada, o Lille de Gouvernec mantém o bom futebol mas sem o mesmo poder. Chegou aos oitavos da Champions impulsionado pela sua disciplina tática com um meio-campo "escondedor de bola" e transição em posse, ações em que André, Onana e Renato Sanches (que pode, por vezes, descair na direita) são as referências. No sistema, alterna entre o 4x4x2 (quando junta Jonathan David e Yilmaz na frente) e uma espécie de 4x1x1x1 que coloca o irregular Ben Arfa no apoio ao dinâmico David como n.º 9 de mobilidade. Atrás, a dupla Fonte-Botman segura o centro da defesa mas será impossível voltar ao cenário de Champions na próxima época, no qual o terceiro passageiro ameaça ser o Nice.
A equipa que mais me atrai ver jogar é, no entanto, o Rennes de Bruno Génésio, num 4x3x3 de futebol associativo que faz a ligação entre sectores desde trás, ligando muito bem o jogo em poucos toques mas sempre com linhas de passe progressivas e de desmarcação. Tanto o faz pelo meio, onde o croata Majer, 24 anos, é o maestro a partir do meio, como interior esquerdo, para depois organizar jogo com poder de rutura e passe, ou tanto o faz pelas faixas com a subida dos laterais, Traoré e, sobretudo, o dinâmico dinamarquês Meling, à esquerda. No ataque, com um n.º 9 esguio de apoios ou remate fácil (Laborde ou Guirassy), cultiva muito bem as diagonais na qualidade de condução, com a visão de Terrier desde a esquerda, abrindo corredor ao veloz Meling.