VISTO DO SOFÁ - Opinião de Álvaro Magalhães
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Ouve-se cada vez mais por aí o lamento pela falta de jogadores excepcionais, uma espécie que caminha para a extinção. Messi e Ronaldo dividiram Bolas de Ouro ao longo de anos e anos, sem sombra de concorrência. Também estamos sempre a ouvir que vem aí o novo Eusébio, o novo Maradona, e por aí fora, mas parece que já não se faz disso. Guardiola acaba de perguntar: "Quantos novos Messi surgiram no mundo do futebol desde que Messi começou? 10? 15? Falharam sempre". Nem mais. E agora, que Messi e Ronaldo se apagam, espera-nos um céu sem estrelas.
A culpa, já vos digo, é deste futebol excessivamente táctico, fruto de um muito alargado campo de acção dos treinadores, que têm hoje a aura e o prestígio de homens de ciência e foram colocados no centro da cena futebolística. Esse futebol robótico, automatizado à força de treino repetitivo, não favorece nem estimula a criatividade dos jogadores; na verdade, trata de os normalizar, ocupando-os com o cumprimento de um conjunto de acções programadas. Vemos como os adjuntos dos treinadores mostram esse esquema aos suplentes que vão entrar no jogo; e também vemos que eles olham para aquilo com o entusiasmo de um jovem estudante diante do enunciado de um equação.
Sem criatividade, o jogo, torna-se rotineiro, previsível, quase sempre enfadonho. É quando os comentadores dizem que os sistemas encaixaram e as equipas se anularam mutuamente. E onde está o jogador criativo que, de súbito, faz algo não previsto, rompendo o funesto equilíbrio dos esquemas? Quando ocorre um desses raros rasgos faz-se uma festa e as imagens do feito dão a volta ao mundo num minuto.
Cesc Fabregas disse ao jornal "Marca" que, no futebol actual, "o talento foi substituído pela competitividade e está a perder importância". E acrescentou: "Usam-se metodologias que se baseiam em automatismos. O treinador diz onde tens de passar a bola em todos os momentos. Tudo é baseado em ciência, números e GPS". Pablo Aimar, agora treinador, também reforçou essa ideia numa entrevista recente: "Com 800 treinos automatizados é normal não haver criativos! Se algum miúdo com 15 anos finta os adversários, dizemos-lhe para não o fazer porque perdeu a bola duas ou três vezes."
Por sua vez, o futebol de rua, esse viveiro de génios, que aí desenvolviam as suas qualidades naturais sem restrições, é hoje uma actividade residual. O que abunda são as escolinhas de futebol, que não são mais do que fábricas de jogadores normais. Os génios não vão à escola, quanto mais à escolinha.
Pela criatividade é que se avança. Ser criativo é estar sempre um passo à frente. Mas a criatividade natural dos jogadores é reprimida à nascença, como explicou Aimar, e o talento está a perder terreno para a competitividade, como avisou Fabregas. Os jogadores deste tempo não são artistas, usando livremente o seu talento e criatividade para resolverem os problemas que o jogo vai levantando, são, antes de mais, funcionários que cumprem instruções rigorosas, executores das ideias de outros, esses, sim, os verdadeiros artistas da actualidade futebolística: os treinadores.