PASSE DE LETRA - Uma opinião de Miguel Pedro
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Antes de falar sobre o jogo, deixem-me falar um pouco de política. Ontem, Braga e VSC começaram o jogo com algo em comum: ambos os plantéis ficaram sem um dos seus principais recursos criativos, os verdadeiros "abre-latas" para os jogos mais fechados. Galeno saiu do Braga para o Porto e Edwards saiu de Guimarães para o Sporting.
"Fomos dar ao rival todo o moral que este necessitava, o que deixa os adeptos bem furiosos"
Braga e VSC estão na parte de baixo da cadeia alimentar do capitalismo do futebol, alimentando com os melhores jogadores, a troco de algum dinheiro, o poder dos mais fortes e dos mais ricos, tornando-os ainda mais fortes e ainda mais ricos. Sem regulação por parte dos poderes federativos (que poderiam, por exemplo, limitar o mercado de inverno a transações fora da mesma competição), as desigualdades entre os três habituais mais fortes e mais ricos e os demais acentuam-se ainda mais.
"O liberalismo funciona", dizia o político. Funciona, sim, para aumentar as desigualdades, permitindo o incremento quase ilimitado (limitado apenas pelos clubes na Europa ainda mais fortes e mais ricos, no topo da cadeia alimentar do capitalismo futebolístico) dos poderes e dos capitais daqueles que, por cá, mais têm, verdadeiros donos disto tudo, cada vez mais donos e com uma maior fatia disto tudo. No caso do SC Braga, e desde 2004, já transferiu 22 jogadores para os designados "três grandes", possíveis rivais numa luta por um título para já adiado. Sem contar, claro, com os treinadores transferidos (Jesus para o Benfica, Domingos e Rúben Amorim para o Sporting).
Muitas vezes as transferências foram negociadas, e outras foram aquisições hostis (pelo valor da cláusula de rescisão). Mas tratou-se sempre de jogadores importantes e titulares, o que, de certa forma, desequilibrou os plantéis de onde saíram. É uma difícil tarefa de gestão, tentar rentabilizar financeiramente o plantel, sabendo que a saída de jogadores pode comprometer a competitividade da equipa. Mas, numa estratégia de longo prazo para o clube bracarense e para a SAD, os cerca de 65 milhões de euros que os rivais já nos entregaram a troco dos jogadores e treinadores que levaram, podem fazer sentido.
Deixando a política e recaindo, agora, para o jogo de ontem, afirmo que o dérbi é um processo democrático: todas as contingências, as desigualdades classificativas, as angústias dos jogos passados, os passivos e os ativos financeiros, tudo isso fica suspenso e preso na emoção dos adeptos e esvai-se com o apito para início do jogo.
O Braga, com uma distância de 11 pontos sobre o rival no início do jogo, entrou com a ambição de se aproximar do 3.º lugar, ocupado por um Benfica em crise. Mas o nosso rival geográfico foi sempre melhor, mais agressivo e nem em superioridade numérica o SC Braga conseguiu impor-se. Por isso, o VSC mereceu ganhar. A equipa do Braga não funcionou, é tão simples como isso. E fomos dar ao rival todo o moral que este necessitava, o que deixa os adeptos bem furiosos. Mas continuamos na defesa do 4.º lugar, é esse o nosso objetivo a partir de ontem.