PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 O tamanho do relvado em que se joga nem sempre é igual no jogo todo.
Esta frase pode parecer tão estranha como tão evidente em termos da verdadeira dimensão do espaço em que se joga.
Contra adversários fechados que fazem o chamado "campo pequeno" a defender é inevitável, para quem ataca, o comprimento do campo diminuir (25/30 metros sem profundidade) mas, atenção, a largura permanece a mesma. Está em perceber este fator e saber utilizá-lo que, tantas vezes, mora a chave das vitórias nestes jogos. Ou seja, os flancos, sempre os flancos.
Fiel à sua desequilibrada arquitetura faixas-centro, Schmidt voltou a montar um 4x4x2 sem extremos (os flancos ficam ofensivamente para os laterais Grimaldo-Gilberto) e com um quarteto tático interior de trás para a frente num "quadrado" (Florentino-Chiquinho com Aursnes e João Mário a pegar dentro) nas costas da dupla Ramos-Rafa.
Confesso que acho estranho neste tipo de jogos, de ataque continuado, prescindir dum avançado-flanqueador nato, como Neres ou Gonçalo Guedes, capaz de fazer dançar, com rutura de golo, as linhas defensivas na mobilidade faixa-centro-faixa. Sem esse homem diferenciador, o xadrez de marcações de Petit foi-se encaixando a tapar espaços.
Este Boavista tem raízes mutantes na época. Começou com três centrais, 3x4x3, passou pelo 4x4x2, 4x2x3x1 e estacionou agora num 4x3x3. Ganhou maior coesão de jogo interior (com e sem bola) e, compacto, segurou-se atrás (4x1x4x1) perante o bloqueio interior encarnado.
2 A alteração ao intervalo foi, por isso, óbvia. Entrou o tal ala-flanqueador desequlibrador, Neres (desfazendo o quadrado, saiu Florentino) e em dez minutos criou sucessivos lances de desequilíbrio ofensivo. O espaço ("campo pequeno") não tinha mudado. A forma de o usar (desde a largura da faixa) é que mudara a relação dos mesmos espaços curtos.
O mais imprevisível era que do outro lado o Boavista entrincheirado pudesse soltar-se para no processo inverso aumentar o campo e (contra)atacar. Fê-lo uma vez (já com Gorré a acelerar) e empatou.
Não mudou, porém, o novo curso que o jogo tomara em termos de criação atacante benfiquista. As portas laterais abriram-se mais vezes mas seria na especialização de golo mais clássica, pura e antiga que o golo chegaria. Gonçalo Ramos. Profissão: ponta-de-lança.
Antes era elogiado por como lutava. Era raça, desde a faixa ou como segundo avançado. Agora é, também, e sobretudo, subtileza (com a mesma raça) para receber a bola, amansá-la e dar-lhe um toque, entre o "bico e trivela", que num remate como um sopro no coração fez desmoronar o castelo axadrezado que resistira até ao limite de Bracali, enorme "guarda-redes Matusalém".
Uma vitória que prova a importância do clássico, dos extremos ao velho n.º 9.
A terrível bola a queimar
O Santa Clara vem arrastando vários problemas desde o início da época mas a derrota com o Famalicão vai já além-tática. A equipa terá corrido mais do que nunca, lutou por todas as bolas divididas e usando um jogo mais direto, temperado, numa vertente mais individual, pela técnica de Gabriel Silva (mas num ritmo que quase impedia o "10" Bruno Almeida de ter bola) até assustou o onze famalicense que, sem querer disputar o jogo nessa intensidade, teve dificuldade em respirar em campo.
O incrível, porém, sucede quando, precisando urgentemente de ganhar, tudo isto se torna com o passar do tempo, uma metralhadora de ansiedade na cabeça dos jogadores. É impossível explicar doutra forma como, logo após o empate, Paulo Eduardo chutou para a sua baliza uma bola já inofensiva e que o guarda-redes ia a agarrar. Surreal. Tinha entrado há um minuto após uma confusão enorme com duas expulsões. Num ápice, o Famalicão via vir-lhe parar às mãos um jogo que não conseguia disputar naquele estilo tão conflituoso. A partir daí, ainda fez mais um golo perante um onze açoriano sem reação que, após ter jogado com a bola sempre a queimar, tinha ficado em choque. Vejo o onze com jogadores interessantes mas o problema que em jogos anteriores começara como tático e de grupo tornara-se agora mental.