PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Não sei se é mito ou realidade. O caminho que os elefantes, separando-se do grupo, fazem quando sentem o fim aproximar-se para ir morrer num local único.
O cemitério dos elefantes no qual nunca nenhum humano esteve apesar da busca incessante por o descobrir, na imensidão africana. Dizem que é protegido por antigos deuses e guardiões milenares.
Existe a tentação de comparar o ocaso da careira dum futebolista com esse caminho solitário de quem sente que o fim está próximo. É uma forma bonita de romancear o final dum longo trajeto de vida. Penso naqueles que após pisarem os maiores relvados do Mundo buscam um retiro de serenidade introspectiva. Os "Eldorados" financeiros (árabes ou americanos) tiraram romantismo a este capítulo da natureza. Existem, porém, resistentes que fazem continuar a crer nessa viagem e último local existencial que dê sentido a tudo antes.
2 Não existe outro local como a América do Sul-latina para levitar esse romance futebolístico. Nos tempos recentes, Tevéz no regresso às origens de La Boca e agora Luis Suárez regressado, aos 35 anos, para jogar no Nacional, onde começara na primeira equipa aos 18 anos, nascido na cidade, Salto, que, misteriosamente, mais craques (de Pedro Rocha a Cavani) deu ao futebol uruguaio.
Saíra em 2006, após ser campeão, para o Groningen, entrando na Europa que o consagrou do Ajax, Liverpool, Barcelona a At. Madrid. Podia ter ido agora para a MLS mas, tal como fizeram "El Chino" Recoba, Forlán ou "El loco" Abreu, preferiu voltar ao seu Uruguai. A diferença é que, ao contrário dessas lendas, Suárez ainda está vivo para jogar mais um Mundial, em dezembro, altura em que termina o acordo com Nacional.
O simples rumor do seu regresso já desperta a loucura em Montevidéu. Achavam impossível. E seria, de facto, se não fosse esse o desejo de Luisito. Por isso, esta última noite em que o Nacional entrou para jogar os quartos da Copa Sul-Americana. não poderia ser apenas mais um jogo. Sem jogar 90 minutos desde fevereiro e a treinar só há uma semana, Suárez foi, claro, para o banco. Jogou os últimos 15 minutos.
Está, naturalmente, sem ritmo e com uns quilos a mais, mas os movimentos estiveram lá. A bola picou-lhe à frente algumas vezes em vez de ficar controlada, redonda. Esteve, porém, no passe para a melhor oportunidade (bola no poste) e acabou o jogo com o seu carácter, a protestar com o árbitro sobre o tempo de descontos e uma falta a acabar. E, também importante dizer, não mordeu nenhum adversário.
Para o "dentuça charrúa" esse é um gesto, de garra ou impotência, que lhe marca a imagem e carreira, até num Mundial, quando numa dividida (com a bola longe) cravou os dente no duro central italiano Chiellini. As câmaras, porém, denunciaram-no e Suárez ficou fora do Mundial.
3~Voltar agora para preparar o seu último Mundial com a "Celeste" é maior do que a lenda dos elefantes. É o futebol a reconciliar-se com o tráfico de emoções que faz a sua essência, dos "hinchas" a chorarem nas bancadas até às cinco mil camisolas com o seu nome e n.º 9 vendidas num dia ou os velhos e crianças subitamente juntos na mesma geração para aplaudirem o ídolo. O golo marcado ao Rentistas na estreia na Liga uruguaia explodiu a loucura! Tudo isto pode soar a um tango de Gardel, um sentimento que se dança (ou, neste caso, que se joga dentro duma "cancha de fútbol").
Nestes momentos, sinto-me uruguaio em termos futebolísticos porque pura e simplesmente é deste tipo de matéria emocional latino-americana da qual a minha sensibilidade se aproxima.
Por isso, o "meu futebol" está, tantas vezes, mais nestes locais distantes do que na Europa onde sempre vivi. A vida espiritual, essa, está quase sempre noutros locais. Reais ou imaginários, o único paraíso, como a memória, do qual nunca poderemos ser expulsos.
Nota: E no fim, para tornar tudo ainda mais romântico, perdemos e afogámos as mágoas com música, copos e histórias com bola. "Te amo fútbol"!