PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Sou um analista disfuncional que se desespera mais por ver um passe falhado do que por um golo certo desperdiçado. Talvez isso me faça ver o jogo melhor. Ou talvez não. Não se trata de uma devoção pelo que seria uma espécie de futebol tântrico. Trata-se de perceber a origem do jogar bem.
Um dos fundamentos que nesse sentido faz hoje a Meca do bom futebol é o chamado jogo posicional, mas só o nome (como o conceito "tout court") é redutor. Acima desse traçar de sucessivas linhas de passe, está conseguir o efeito pretendido: ter vantagem posicional.
Nada disso está relacionado só com um estilo. Essa vantagem tanto se pode conseguir num estilo apoiado, como num de busca rápida da profundidade, ataque organizado ou contra-ataque. Tudo se relaciona com a relação entre jogadores e espaços que ocupam.
2 - Os últimos jogos da Seleção, assim como, em modelos diferentes, os de FC Porto e Sporting esta época, têm sido bons exemplos disso. Vejam como jogam Otávio e Pedro Gonçalves, Vitinha ou Sarabia, Taremi ou Paulinho. Principio basilar de tudo: as posições não vão até à bola. É a bola que vai até às posições.
A conexão com o portador da bola exige tanto movimento como posicionamento (que pode ser o só... estar num determinado local certo). Muito (quase tudo) do que o fazem os jogadores nas alas depende do que fazem os que estão no meio, e muito do que fazem estes depende do que fazem (como se movem) os que estão nas faixas.
O objetivo é provocar alguma coisa no jogo, em geral desestruturar a equipa adversária, isto é, em termos concretos jogada a jogada, "desposicionar" o jogador contrário que está no mesmo espaço de intervenção para marcar e cobrir. E isso, muitas vezes, é só questão de um metro ou dois.
3 - Os alas são desequilibradores que, em geral, aumentam a velocidade física do jogo (vejam como correm Porro ou Zaidu, em modelos diferentes), mas esse gesto tem de estar subjacente à estrutura. É reconhecimento do grupo como equipa.
Um jogador, mesmo sem tocar na bola, pode facilitar a ação de outro num local diferente no campo. São as chamadas referências posicionais. O posicionamento certo para ter vantagem posicional não precisa de tanto movimento. Necessita de precisão de movimentação interligada. Isso reduz a incerteza. Não é necessário ter os jogadores a correr pelo campo todo a todo o tempo. Dessa forma, as probabilidades de progredir no campo vão diminuir.
Bruno Fernandes encontrou-se dentro do jogo da Seleção quando adquiriu esta sua consciência e relação com os demais. É por isso que, muitas vezes, vendo tantos jogos dominados (ou melhor, descontrolados) pela ânsia de movimentação vertiginosa da maioria jogadores, o único que peço aos treinadores é que lhes gritem "parem de correr!"
A intencionalidade do que se está a tentar provocar é a chave do bom futebol das boas equipas.
Provável ou possível
A probabilidade de ganhar aumenta quando se tem a bola o mais tempo possível junto da área adversária, mas a possibilidade de perder só sofrendo num lance de contra-ataque também se mantém. A primeira é a que acontece na maioria das vezes, mas basta o futebol estar cheio de incríveis exemplos da segunda para que muitos confundam esta teoria das probabilidades versus a das possibilidades. Com isso, em geral, arrasta-se uma análise errada ao jogo das equipas.
A Macedónia ganhou na Itália num solitário remate nesse "buraco negro" do jogo, como perdeu depois em Portugal não conseguindo, assim, contrariar duas vezes seguidas as probabilidades que, na base, estiveram em ambos os jogos.
Claro que a forma de jogar de algumas equipas (sobretudo seleções) está relacionada com conceitos culturais, mas essa raiz não deve nunca fazê-las fecharem-se sobre si próprias. Há uma obsessão de colocar rótulos a tudo. Estilos ou conceitos.
Dentro duma perspetiva formal, raramente concordo com eles. Porque tende a prender a visão numa só perspetiva. O contexto (revejam texto ao lado) é o que faz a vantagem posicional como o efeito que dá sentido ao jogo de posição que faz a "alma-mater" do modelo que tanto gosto de ver em muitas equipas da atualidade.