PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Não existe conceito no futebol mais trocista do que a lógica da baliza aberta. Para todos no estádio (de simples adeptos, treinador, colegas de equipa ou adversários), nada pode impedir o golo nesse momento. Até na cabeça do jogador confrontado com esse momento a bola já está na baliza quando ainda a vai rematar.
Mas não está. A reação de Jesus, afundando a cabeça na relva do Camp Nou, ao ver como Seferovic caíra nessa ilusão do golo feito antes de rematar, diz tudo dessa ironia. Seferovic não se focou totalmente no remate em função dessa convicção interior de que bastava encostar. Fê-lo, porém, de forma tecnicamente estranha, com a sola da bota. E a bola, trocista, saiu a direito, para fora, ao lado.
Esta é a fuga à lógica mais terrível (e mais comum) na relação entre um jogador e a baliza. Perder o foco com a realidade que ainda precisa concretizar em face da facilidade como a ilusão do "já está lá dentro" lhe devora a cabeça (entenda-se noção do tempo e espaço onde ainda está). O drama cresceu porque era o último minuto e a vitória.
2 - Durante a maior parte do tempo, o Benfica controlou (melhor até do que no jogo da Luz em que ganhou 3-0 mas sofreu muito defensivamente) um Barcelona que joga apenas nos impulsos de cada jogada e não em função dum padrão de jogo que, assimilado, lhes dê lógica de continuidade em ternos de princípios. O controlo do meio-campo sentido a partir da eficácia da linha defensiva (com Otamendi a crescer de tamanho em cada jogada) deu à equipa a personalidade tática para ser melhor. Faltou o elo de ligação ente o jogo e a baliza.
Quando, no dia seguinte, vemos como Pedro Gonçalves, Pote, faz golos com (na altura da finalização) a mesma naturalidade com que respira, percebemos o que é ter verdadeiramente a baliza aberta para um jogador focado nesse momento, mesmo quando para a fechar cresce o guarda-redes e os defesas a tentar tapar buracos. Aqui, porém, já é ele que passa para o papel trocista. Em vez de rematar, limita-se a ver o espaço aberto entre os postes e... passa a bola à baliza. A tal noção que faltou a Seferovic no Camp Nou.
3 - Mas falando sobre relação jogador-baliza, é impossível, nesta semana de Champions, não falar de Salah para perceber como o golo, a finta (o futebol, afinal), lhe está por todo o corpo e mesmo sem tocar na bola, engana o defensor na área (Uribe a chegar para o corte), simula, dança como que equilibrando-se na ondulação e deixa o defesa estendido na relva. Depois, é ver a bola (sem vontade própria) a obedecer ao seu remate.
O FC Porto teve melhores momentos no jogo, com boas oportunidades, mas nesta lógica de relação com a baliza só aqueles que conseguem antecipar e não precipitar (duas palavras que fazem a diferença e explicam todo este texto) traduzem tudo isso (no momento decisivo) em golo.
Previsível ou infalível?
Após ser goleado (1-5 pelo Ajax), o Sporting apurou-se antes do último jogo (3-1 ao Dortmund). Apesar da noção taticamente mais realista de interpretar o momento de transição (e organização) defensiva, num sinal claro de que Amorim percebe depressa onde estão os problemas (capacidade de diagnóstico decisiva para fazer crescer uma equipa no decorrer da época), é impossível dissociar este abismo (resultado e exibição) dos nomes que então faltaram e agora surgiram decisivos: Coates e Pedro Gonçalves.
Num ápice, qualquer treinador (mesmo o mais astuto) fica logo melhor. Amorim vive tocado pela "varinha mágica" dos seus jogadores embora esta encaixe melhor no perfil de Pote (com chapéu de feiticeiro) do que Coates que joga do alto duma montanha e no eixo duma defesa a três passou a parecer (ao contrário de antes que era tão criticado) um dos melhores centrais do mundo.
O sistema de três centrais protege-lhe o (des)controlo da profundidade através das dobras dos outros centrais (ou laterais) e quando a equipa recua para bloco-baixo (como faz nos momentos em que se sente mais sob pressão) ele tira tudo de primeira, terra ou ar.
Um paradigma tático com nomes próprios que faz (ou desfaz) uma fórmula tão previsível como infalível. Uma contradição futebolística comum.