PLANETA DO FUTEBOL - Uma análise de Luís Freitas Lobo
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1 - Depois do PSG e Chelsea, a sobrenatural "remontada" nos minutos finais, quando o jogo parecia definitivamente decidido, frente ao City, aumentou a dimensão de adjetivos místicos para o território dos milagres que é o Bernabéu. Mais do que ceder à tentação poética para explicar o (aparentemente) inexplicável, acho que este fenómeno terá, afinal, uma origem futebolística (e não tão sobrenatural como parece). Um nome para servir de pista e explicação terrena: Rodrygo.
Os milagres de Madrid têm, afinal, uma explicação terrena?
Se querem falar de futebol místico na relva, então contem e vejam os golos que ele marca, com um oportunismo frio e precisão finalizadora notável, quando esses jogos (Chelsea e City) pareciam perdidos. Desde o banco, a face da liderança tranquila de Ancelotti lançou-o para o jogo sem que, nesses momentos, ninguém se levantasse sentindo que ali estaria o homem revulsivo. Entrou quase clandestino. Melhor ainda.
2 - Rodrygo é um garoto sem o nome dos grandes craques de Manchester, Chelsea e, claro, muito menos Paris, mas é, no seu estilo de semblante moleque, um avançado de área fantástico como, se virem bem, Guardiola não tem. O City possui um exército de poetas da posse, desde as maravilhas dóceis de Bernardo Silva até às meias em baixo em pernas arqueadas de Grealish, mas quando é necessário o último elo de ligação entre tanto belo jogo (passes) e o golo (remate) onde está esse elemento definidor? Nem Foden ou Mahrez, de arranque e rasgo, têm esse instinto que o moleque de 21 anos, "menino da vila" vindo da base do Santos, mostra nos momentos de maior pressão. Seja em que jogo for. Pelada de treino ou cenário de Champions.
O Real deu, assim, a volta, quando já não tinha em campo Modric e Kroos (mais Casemiro), isto é, todo o núcleo da sala de máquinas da equipa. Viu, então, outro miúdo (este "petit garçon" de 19 anos, franco-angolano), Camavinga e suas rastas, entrar para, sem imponência física, comer todo o meio-campo numa exibição assombrosa.
3 - Benzema e Vinicius estiveram sempre presentes mas foi a entrada daqueles exemplares caídos do berço do talento que iluminaram um jogo então nas brumas para dar, assim, mais uma página para o "livro dos milagres" das noites europeias. Afinal, elas (também) têm explicação futebolística. Mesmo quando nasceram nos idos anos 80. Então, eram Santillana e Butragueño o milagre feito de técnica e poder de finalização, união futebolisticamente terrena que o atual "City dos 1001 passes" não tem personificado em nenhum jogador/avançado (o último terá sido, talvez, Aguero).
A final irá ter, desta forma, um confronto sem duelos ideológicos de estilos. No fim, Guardiola viu o prolongamento como, apenas, o cumprir dum destino que aquele final dos 90 minutos tinha determinado (nas botas de Rodrygo). A placa de seis minutos de descontos foi tão paralisadora que todo o onze do City ficou, num ápice, sem pinga de sangue tático. Não conseguiu sequer mexer-se para defender e/ou não deixar haver jogo (como fez, perto dali, semanas antes contra o At. Madrid). Desta vez, limitou-se a ver o destino acontecer.
4 - O Liverpool ainda esbugalhou os olhos de espanto com a revolução do "submarino amarelo de Emery". Ficou a perder 2-0 mas teve a serenidade de perceber que toda aquela intensidade de pressão e qualidade tático-técnica subsequente do Villarreal, dificilmente poderia durar o jogo todo.
Ainda imaginei que Emery (empatada a eliminatória) fosse fechar a equipa atrás e jogar à espera duma bola de contra-ataque (para ganhar). Não teve, porém, oxigénio mental para o fazer e deu espaços para aparecerem, provocando/aproveitando os erros, as setas (arco e flecha) de Salah, Luis Díaz e Mané para ganhar o jogo, tornando-o simples pela relação direta que têm com o golo (ligando-o com todo o jogo rápido que fazem antes). O oposto do City, nesse elo final.
Ser uma grande equipa exige exaltar tudo o que o futebol tem de melhor para tratar a bola e sua relação com tudo no jogo até ao golo. Um bem de primeira necessidade que o moleque Rodrygo fez parecer um milagre.