FOLHA SECA - Um artigo de opinião de Carlos Tê.
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Nélson da Luz é um jovem promissor do Guimarães que ainda deve ter as orelhas a arder depois do jogo para a Taça de Portugal na Pedreira, num derby minhoto de prender o espectador ao sofá em que os vimaranenses foram melhores durante boa parte do tempo, mas baquearam nos dez minutos finais.
Bastou um golo para abrir fendas no bloco do Guimarães e impor a técnica mais refinada e a maturidade dos homens de Braga, consubstanciadas no extraordinário remate de Vitinha que deu o empate.
Mas o motivo desta crónica aborda um momento anterior que se revelaria decisivo: com o resultado em 0-2, o treinador Moreno fez entrar em campo o talentoso angolano para aumentar a exposição do Braga ao contra-ataque.
A certo passo, numa rápida transição ofensiva, a bola colou-se-lhe aos pés e ele, beneficiando duma movimentação perfeita dos outros companheiros da linha, tirou dois defesas da frente com fintas simples e subtis até ficar isolado perante Matheus e de caminho escancarado para o terceiro golo, o da estocada final. Mas, em vez de finalizar com frieza ou dar para um colega também em posição privilegiada para marcar, Nélson não resistiu a fintar o guarda-redes, que tocou na bola com os dedos e manteve o Braga no jogo - e na eliminatória.
Suponho que é um daqueles momentos duros em que um treinador sente toda a impotência que há no banco - depois de ter feito tudo certo. Não sei o que passou pela cabeça de Moreno perante o desplante do seu avançado, mas eu teria trincado a língua. Se o Guimarães tivesse ganho o desafio haveria por certo um reparo, uma conversa pedagógica, mas a derrota exponenciou o falhanço, ainda por cima tendo a conta a exibição da equipa até ao fatídico minuto oitenta. Imagino o que o jovem terá ouvido no balneário. A chegada da equipa a Guimarães foi atribulada, com adeptos em polvorosa junto ao estádio, pois custa muito perder um jogo que esteve na mão quase até ao fim.
Nélson da Luz não foi o primeiro nem será o último jogador a cair na tentação de marcar um golo à Maradona para ornamentar o portefólio no Youtube. A sua costela africana falou mais alto do que a costela racional e objectiva que define o futebol europeu. Tem ainda muito caminho a percorrer, mas aquele lance assombrá-lo-á para sempre, a dormir ou acordado.
Lembra-me uma jogada de um outro Vitinha, que foi do Porto, numa final do Euro sub 21, em que descascou a defesa alemã até bloquear na hora decisiva perante o guarda-redes, acabando mesmo por perder a bola. Não foi o fim do mundo mas o princípio de algo maior. Vitinha joga hoje com Neymar e Messi, mas aquele golo é um espaço em branco e não será preenchido pelos que marcará, embora ajudem a esquecê-lo.
Está nas mãos e nos pés de Nélson da Luz ter um futuro à altura do seu talento. Aquele lance não chega a ser um falhanço, mas um momento pífio, e pode ensiná-lo a concluir jogadas de modo simples - ou a arriscar um golos de fábula que correm mal e penalizam a equipa, merecendo a descompostura do treinador e dos adeptos.