PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - É a posição que mais se transformou nas últimas décadas. Uma mutação que leva até a esquecer o seu nome próprio original que citava o sector a que, na raiz, pertence: defesa-lateral. É consequência das novas missões que ganhou no jogo, sobretudo ofensivas. Quase que inverte a lógica da posição (e o sector sua "casa tática") mas hoje quando se destacam jogadores nessa posição, logo se identificam os que mais desequilíbrios criam a atacar. Os melhores, porém, são os que percebem as duas vertentes, mantendo a ordem de leitura dos momentos do jogo, de defesa a lateral/ala.
Manchester tornou-se esta época a capital do defesa-lateral direito português. Enquanto Cancelo se fixa, no City, como pilar do modelo-Guardiola (representando o lateral que "joga por dentro"), Dalot emerge, no United, como o novo exemplar de futebol total na posição. Depois de uma época sob os rígidos ditames do "homem a homem" em Itália (no Milan de Pioli), soube aculturar esses princípios defensivos do "velho testamento tático italiano" e, agora no mais solto futebol inglês, onde ataca com a liberdade moderna (por fora do extremo, Sancho ou Rashford, ou entrando no jogo interior apoiado quando os extremos abrem), sabe incorporar no seu jogo essas diferentes leituras nos momentos certos.
2 - A forma como cresceram os seus números de recuperações de bola e duelos ganhos, jogando sobretudo na antecipação no espaço (a agressividade tática acima da meramente física) mostra como o lateral completo tem de incorporar primeiro o nome de defesa. Uma noção tática evoluída que Dalot expressa melhor no sistema de marcação "zonal" que Rangnick incute por todo o campo, algo que, ao contrário da responsabilização individual da opção "homem", dá ao jogador mais responsabilidade cole tiva-solidária. Ao seguir os passos da escola alemã sem perder o que ganhou nas catacumbas táticas italianas, fica completo na posição.
Só com esta noção global um lateral pode adaptar-se rapidamente a jogar numa defesa clássica a 4 (ficando mais aberto, para as coberturas) ou na de defesa a 3 em que, com maiores missões ofensivas como ala, nem sempre é obrigado a recuar tanto para fazer defesa a 5. Com três centrais atrás, o lateral pode ficar, por princípio, mais subido no terreno.
Um mestrado na posição que ganha com Rangnick ensinamentos da escola alemã que, embora famosa pelas ideias de pressing, tem, também, uma noção superior de como defender de outras formas durante o jogo. Vendo Dalot jogar percebe-se essa variante e o conceito (e intenção de utilização) do chamado posicionamento em "rest defense".
3 - É decisivo uma equipa saber alternar entre momentos de pressão e de organização. É nessa intenção que Rangnick tenta incutir em Manchester o conceito de "Rest defense" (ou Restfeldsicherung, em alemão). Um termo tático que descreve a postura da equipa que, quando ataca, mantém alguns jogadores em posições chave mais recuadas para controlar os espaços defensivos no caso de contra-ataque adversário.
Ou seja, enquanto a equipa ataca, esses jogadores como que suportam (segurando as costas) a posse de bola ofensiva da equipa, permitindo uma circulação mais segura ou até o correr de alguns riscos porque se perderem a bola, a estrutura protetora defensiva atrás está previamente montada para os proteger.
Em tradução livre, é "defesa em descanso", mas é um descanso ativo, porque existindo a noção de que é impossível manter uma atitude de pressão o jogo todo, é necessária essa gestão de esforço sem perder eficácia na organização defensiva, Assim, mantém os jogadores tático-fisicamente vivos até ao fim, algo decisivo para os laterais fazerem tantos quilómetros atrás e à frente no seu corredor. O mais habitual nessas missões de "rest defense" é eles ficarem posicionados para circular por trás, ou, numa defesa a 4, aguentarem em contenção.
É, esta perspetiva de, em épocas consecutivas, se formar na posição segundo ditames tão distintos (os da versão tradicional italiana e os da moderna alemã) que torna hoje Dalot um protótipo multidimensional dum defesa-lateral invulgar a conjugar os diferentes tempos da posição, completando-se conforme o que o jogo exige.
Como o Rangers goleou o Borussia Dortmund?
Na base do resultado mais sensacional deste "play-off" da Liga Europa, uma equipa do Rangers que busca resgatar, na terna luta com o Celtic, o domínio do futebol escocês. Orientada agora pelo holandês Van Bronckhorst, goleou em Dortmund (2-4) apresentando um agressivo 4x2x3x1 no plano da antecipação nos espaços que tomou conta do meio-campo desde o início do jogo.
No centro desse sistema, uma rotativa dupla de médios Jack-Lundstram (ficando no banco o finlandês Kamara, peça chave quando a opção é antes por formar um triângulo no meio-campo, desenhando então o 4x3x3, como fazia preferencialmente com Gerrard). Nesta nova variante, joga agora com um segundo-avançado, o pernalonga nigeriano Joe Aribo, nas costas o possante ponta-de-lança móvel Morelos. Juntos, criam uma dinâmica de jogo que embora sem combinar muito entre eles a nível de tabelas, arrastam marcações e abre, assim, alternadamente, espaços para um ou outro.
Mantendo alas abertos, Kent e Arfield (este pegando mais no jogo interior) tem sempre largura de circulação ou apoio nas faixas, movimentos em que também são decisivas as subidas dos laterais, Tavernier, à direita, e Barisic, à esquerda. Ataca de forma apoiada e quando perde a bola recupera rapidamente as posições defensivas. Uma exibição no palco europeu que pode relançar o futebol escocês a nível de clubes numa competição europeia como não sucede há muito.