FOLHA SECA - Opinião de Carlos Tê
Corpo do artigo
Vítor Pereira é a mais recente aquisição do futebol brasileiro, invertendo assim o trânsito da segunda metade do século passado. Fiz uma pequena busca: na época de 90/91, estavam cá Marinho Peres, Jair Picerni, Paulo Autuori, Abel Braga.
Enquanto Portugal aprendia, o Brasil puxava lustro a três taças mundiais e remirava-se numa galeria de jogadores fabulosos, ao som de máximas como Deus é Brasileiro, produto do marketing da ditadura. Mas enquanto Deus era brasileiro, o diabo também era e impunha uma falta de sentido de bem comum que ainda discrimina camadas de população, sobretudo negra, num "cada um por si" que está na raiz colonial da nação.
No tempo de Lula, quando o Brasil era a quinta economia do mundo, a classe média incomodou-se com a presença de pobres nos aeroportos, gente que aproveitava a ligeira melhoria de vida para viajar num território sem fim. Foi deste caldo novo-rico que surgiu Neymar, destinado a competir pelo trono com Messi e Ronaldo, mas o peso do estrelato impediu-o. A ficha caiu com o 7-1 alemão no Mundial caseiro de 2014, que elegeu bodes expiatórios como David Luiz, alvo de bullying mediático.
Enquanto o golpe contra Dilma se consumava, a nuvem que pairava sobre o futebol parecia anunciar o caos de Bolsonaro. O Brasileirão é uma maratona que não pára quando joga o Escrete. Se alguém refila, como Abel, leva um raspanete do coronel de serviço: quer ganhar tudo? Quem mandou ganhar a Libertadores?
Foi um Palmeiras banal que ganhou essa taça a um Santos mais banal, depois de afastar uma das duas melhores equipas do continente, o River Plate. Na segunda final, aviou o Flamengo, a outra grande equipa do continente, para cair nas meias finais no mundial de clubes, às mãos do Tigres do México.
Agora, discutiu o título com o Chelsea, mas a Imprensa dividiu-se entre a derrota honrosa e a covardia de quem tem a responsabilidade de representar o futebol brasileiro.
Este peso gera um cocktail de impaciência e ostentação. O jovem Gabigol, após falhar em Itália, chegou ao Benfica com um secretário particular para assuntos de Média. É esta mentalidade deslumbrada e ferida que os patrícios têm pela frente. Vítor Pereira não sabe onde se vai meter: o Timão é o clube do povão paulistano, os seus adeptos são mais exigentes do que os do Palmeiras.
Paulo Sousa pode dar o rigor e a garra que Jesus deu ao Flamengo, mas para já chamam-lhe burro - o mimo favorito da torcida. Correm o risco de terem a sorte de Inácio no Avaí, de Jesualdo Ferreira no Santos e de Sá Pinto no Vasco da Gama.
Que o diga um Abel no fio da navalha, mesmo ganhando. Contra eles, joga uma ironia que não é fácil de engolir: chamar os netos dos que usavam chuteiras quadradas para mover o comboio estagnado. Mas é um desejo irresistível ter acesso ao viveiro de talento que ajudou a crescer o nosso futebol. É hora de retribuir. Se a coisa ficar brava, lembrem-se que a tensão entre grandeza e depressão é uma herança lusitana, mas no Brasil atinge requintes que vão além da imaginação.