PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Existem jogadores que, desde a primeira vez que os vimos, ainda com casca de ovo na cabeça, sentimos ser como casos de desafio à perfeição. Em geral, esses sonhos de futebol não passam de utopias que causam alucinações ao ponto de, se esse exemplar prometido não cumprir essa meta quase no imediato, logo se duvidar de tudo.
Vinícius Júnior foi um moleque que chegou assim ao Real Madrid. Como, naturalmente, não entendeu logo todos os novos códigos do jogo nos relvados europeus em contraste com os gramados de erva alta sul-americanos, muitos foram os que, sem pestanejar, lhe traçaram o destino. Era, afinal, apenas mais um moleque (com mentiras de craque) para brincar na rua. Poucos olharam a que, então, ele tinha acabado de fazer apenas 19 anos.
Não passou muito tempo, desde então. Agora tem 21 e foi esta semana convocado pela primeira vez para a seleção brasileira. Entretanto, aconteceu algo fundamental: passou a preocupar-se mais com o jogo do que só meramente com o golo. Pode parecer estranho mas é mais fácil esta segunda relação. Porque se, nesta a movimentação, tem só o posicionamento com baliza como referência, na outra qualquer movimento tem de olhar tudo à sua volta: posicionamento dos colegas, fuga aos adversários e noção de passe antes de remate.
2 - Em vez de dar passos à frente para se aproximar mais da baliza, decidiu (com os seus treinadores, de Zidane a Ancelotti) dar antes alguns atrás para ver melhor o jogo (entenda-se espaços interligados). Percebeu que só o talento natural não lhe permitia conquistar os melhores espaços em campo. Aprendeu a como tomar as melhores decisões no jogo (por onde ir e o que fazer) e agora, pode jogar por qualquer lugar do ataque. Na ala, como fosse visão revivalista dum extremo de outros tempos. Ou, no meio, como um nº 9 verdadeiro e moderno, de ataque à profundidade. Na seleção do Brasil ele poderá ser um referencia revolucionária para um jogo que caíra na previsibilidade de saber quem passa, quem segura, quem acelera ou quem remata. Os grandes craques do Escrete, em qualquer época, sempre confundiram os adversários porque sabiam fazer isso tudo e ninguém sabia o que iam fazer a seguir. Às vezes nem eles, quanto mais os adversários.
3 - É curioso ver que Vinícius chega neste estilo à seleção quando há pouco também chegara um avançado-extremo do tipo que não existia no futebol brasileiro e só o jogo europeu poderia, com os seus variados mapas táticos, congeminar. Na raiz, também ele era selvagem. Penso no Raphinha. A sua velocidade e estilo iriam colocá-lo naturalmente numa faixa, mas à medida em que foi subindo degraus na carreira e jogando menos em equipas ditas de contra-ataque e mais de ataque posicional, ele ganhou outras perceções para uso dessa sua velocidade (sem perder a raiz original).
Com Bielsa lapidou mais o respeito por quem não voa como ele em campo e tornou-se, assim, num protótipo de novo extremo-central (a contradição... complementar mais estranha e demolidora do futebol moderno que ainda consegue colocar jogadores a rirem-se das táticas).
4 - Quer Vinícius como Raphinha são casos de revolução de estilo que se aprende individualmente e, depois, transformam as equipas. Percorrem os últimos 40 metros com uma velocidade tremenda e, ao mesmo tempo, sabem invadir superfícies de passe e ver qual dos outros companheiros metidos no processo atacante está livre de marcação ou melhor posicionado.
A evolução da qualidade de visão de jogo dum jogador é, no entanto, o trabalho mais difícil de fazer no futebol. Dar-lhe noções de posicionamento tático ou até disfarçar alguma lacuna técnica pode ser feito com muita repetição de gestos e ou criação de novos hábitos (há quem acredite que talento é a imaginação a defender-se dum defeito), mas dar inteligência ultrapassa esse mero treino (físico ou de concentração). Por isso, o crescimento tão rápido de Vinícius a nível de fundamentos de jogo é dos maiores fenómenos do futebol atual.
Quem é "El turco" Mohamed, novo treinador do At. Mineiro?
Depois de muita busca por um treinador português, o At. Mineiro contratou um homem que vive o futebol sempre à beira da loucura: o argentino "El turco" Mohamed. Quem se lembra dele nos tempos de jogador, recorda-o a correr, veloz e truculento, na faixa do Huracán, o clube pelo qual ficou um adepto fanático e onde depois começou nos bancos.
Foi o início dum percurso de treinador que brilhou sobretudo no futebol mexicano, no Monterrey (onde esteve seis épocas e foi campeão) até, pelo meio, ter a sua única aventura na Europa, no Celta de Vigo. Só esteve 13 jogos (em 18/19) mas deixou marcas pelo estilo de futebol de transições rápidas e busca sempre da velocidade no processo ofensivo). Um treinador que transporta a sua personalidade para o estilo de jogo. É, por isso, que os adeptos do At. Mineiro já sonham que ele seja capaz de resgatar o espírito da equipa mineira que conquistou a Libertadores com esse tipo de jogo ao ponto de esse onze ficar conhecido como o "galo doido". Ou seja, muita da lógica da sua contratação passa pela personalidade que transmite, visto que preconiza um tipo de jogo diferente do antecessor Cuca.
O futebol brasileiro busca novas referências para o comando dos seus clubes em termos de treinadores, mas esta atração pelos padrões estrangeiros (entre portugueses e argentinos) confunde mais do que esclarece o caminho a seguir.
Joga Muller!
Pensando em jogadores de antigas seleções do Brasil que também me transmitiam a tal ideia de talento, mas a quem faltava tantas vezes maior noção de visão de jogo de pausa-passe, recordo o Muller (dizia-se "Miller"). Esteve no Mundial 86 e 90. Na altura de travar, usava então a finta para tentar sair dos problemas (entenda-se espaços fechados) em que se metera. Destacou-se, sobretudo, no S. Paulo, campeão do mundo. Ainda esteve em Itália, no Torino, mas, triste com aquele futebol, saiu ao fim de dois anos.