PASSE DE LETRA - Opinião de Miguel Pedro
Corpo do artigo
Que semana! A seleção portuguesa garantiu, na terça-feira, o seu lugar no mundial do Qatar, um país autocrático, desigual e que tem regras que arrepiam de qualquer cidadão europeu (será que poderemos levar as mulheres a ver os jogos?). E, ainda por cima, vai ser no inverno, o que será bem estranho.
Depois, o governo português tomou, finalmente, posse, com um discurso do Presidente da República carregado de misteriosos recados para o Primeiro-Ministro.
E, a terminar, o Braga a vencer, de forma totalmente justa, porque muito competente, o Benfica, pondo fim a um jejum de vitórias caseira de seis anos.
E, como pano de fundo de tudo isto, uma guerra na Europa, feia, horrível, homicida, mas que começa a fazer parte da nossa normalidade, do nosso quotidiano. É a banalização do absurdo, do mal, da guerra, para tomar emprestado a expressão de Anna Harendt.
Mas o futebol tem um estranho poder de, por vezes, iluminar estes momentos mais negros: Carvalhal, no final do jogo, ao falar de Berna, jovem jogador que fez a sua estreia na equipa principal no jogo contra o Benfica, enfatizando as suas caraterísticas pessoais e como fervoroso defensor e amante do SC Braga, pareceu estar a recordar-se a ele próprio, um "retrato do treinador enquanto jovem jogador", o que até lhe embargou a voz em plena entrevista.
É esta ligação entre pessoas, uma amizade-que-é-amor-que-é-amizade, o espírito de solidariedade que funda a Humanidade e que o futebol tem o poder de transmitir, no jogo e fora dele. Porque, sem esta ligação, seria muito mais difícil o SC Braga vencer um Benfica carregado de talentosos jogadores.
O jogo, esse foi épico, emotivo, daqueles que criam novos adeptos. A defender, estivemos quase perfeitos, sincronizados e telepáticos. A atacar, fomos criativos, solidários e esperançosos. Na grande maioria das vezes, uma equipa que, estando a ganhar por dois golos, se deixa empatar, dificilmente tem força anímica para reagir, pois quem empata é que se sente mais forte. Mas não foi o caso: o Braga reagiu, foi para cima do Benfica e saiu vitorioso, o que demonstra bem a força, o caráter e a amizade que brota de toda a equipa e que contamina os adeptos. Que alegria!