PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Foi há pouco tempo que ouvi um debate, num canal brasileiro, em que o tema era se o futebol devia ser divertido. Pode parecer um debate sem sentido, mas estando centrado na dicotomia entre uma equipa fazer uma grande exibição de grande rigor tático ou ver um jogo com equipas desequilibradas com muitos golos e resultado incerto, o centro da questão muda.
Afinal, para o que deve servir ou provocar o futebol em quem assiste? Pode-se fazer um paralelo com outras artes: o que deve uma pessoa sentir perante um quadro de Dali? Ou a ler um livro de Saramago? A resposta deve estar em descobrir qual é objetivo (o propósito) de cada uma dessas obra de arte.
2 No caso do futebol, em princípio, tenderia a responder que sim (deve divertir, claro) mas as formas de diversão podem ser muito distintas para pessoas diferentes. Para quem o vive pelo prisma dum clube, terá de, naturalmente, ser ganhar.
É uma visão realista mas redutora para a reflexão se pensarmos em grandes equipas ou jogadores no passado que não ganharam (como o Brasil de 82 ou os raids do Futre no tempo em que a Seleção não ganhava nada) mas transmitiram uma alegria no jogar que marcaram época e atravessaram gerações.
Mais do que ganhar, penso em provocar determinados sentimentos.
Toda esta reflexão nasce de ver como agora se fala tanto do Ricardo Horta para um clube dito dos grandes após várias épocas já a divertir na perspetiva do adepto do Braga ou do mero espectador.
Porquê só agora? Por que não foi ainda à Seleção? Como é possível que, com as exibições que faz, não tenha antes aparecido como alvo desses grandes? Não é fácil encontrar uma responda a estas perguntas. Talvez porque ele é o tipo de craque que diverte mais do que convence imediatamente que está ali o tipo de jogador que o futebol atual consagra. Estranho? Sim e não.
3 O Ricardo Horta, recorde-se, começou por ser o miúdo truculento de Setúbal a quem todas as camisolas (sobretudo quando jogava de mangas compridas) pareciam ficar grandes. Fez uns jogos bons e foi, muito novo, para o Málaga (que então tinha um árabe a investir). Foi o Braga quem o resgatou, sem ninguém ligar muito, para o futebol português.
Melhorou, claro, entretanto, os seus fundamentos de jogo e hoje consegue divertir ao mesmo tempo que aproxima mais a sua equipa da vitória. Diverte, na relação causa-efeito, quem assiste e os adeptos do Braga.
O debate sobre se o futebol deve divertir surge quando se percebe que ele foi roubado por outros interesses e protótipos de jogador ou equipas. As que assumem e cumprem a responsabilidade de ganhar sempre, em vez de centrar-se em exemplares como Horta. A incrível descoberta de que ele existe para um nível mais alto é como descobrir porque existe o futebol. Diverte-se o jogador e o adepto/espectador.
Só três semanas e acaba
Apenas três jornadas para acabar o campeonato e a classificação revela toda a verdade sobre as equipas. Quero com isto dizer que, apesar de tantos debates e reclamações (sobre os jogadores que deviam jogar ou sobre lances de arbitragem), a sensação final ultrapassa todo esse ruído que é feito semanalmente em torno dos jogos e seus casos (depois de ter começado em roda do árbitro ainda no relvado mal o jogo acabou).
O valor das equipas e trabalho dos treinadores não podem ser analisadas como são nesse contexto disfuncional em que caiu o debate futebolístico em Portugal. Há uma falta de visão em perspetiva que, perturbante, distorce qualquer análise. Não falo em "trolls clubistas". Falo mesmo em cultura de análise dominante. A responsabilidade não é do adepto mas de quem dirige a sua cabeça para esses locais.
É questão de três semanas e a classificação vai consagrar os melhores e condenar os que falharam. A tal questão, falada ao lado no texto principal, sobre se o futebol deve ser divertido, torna-se uma quimera perdida. Parece que vivemos em mundos distintos. Desde sempre, neste espaço, só cabem jogadores e treinadores, com talentos complementares, o jogo. É disso que se trata quando se fala do futebol como um pretexto para ter momentos felizes.