FOLHA SECA - Opinião de Carlos Tê
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Estreou na plataforma Filmin a segunda temporada da série Home Ground (a primeira passou na RTP 2 com o nome Jogar em Casa). O enredo gira à volta da treinadora duma equipa de futebol masculina da liga norueguesa, o que, por si, tem pano para mangas.
Na primeira temporada, um episódio aborda, com mestria, o caso dum jovem defesa chamado a estrear-se num jogo importante por lesão do titular. Chegado ao estádio, o jovem vai à linha lateral e contempla as bancadas vazias e assustadoras. É a longa hora do nervoso miudinho que inferniza estreias e exames escolares. O capitão aparece e mete conversa. É um jogador internacional e, não por acaso, o seu papel está a cargo da antiga estrela do Aston Villa e da selecção da Noruega, John Carew. Pergunta ao jovem se está tudo bem e ele confessa a irrealidade de estrear-se num jogo decisivo com um craque a perguntar-lhe se está tudo bem.
É um sonho dentro do sonho, apesar do pesadelo que o aguarda: marcar o temível ponta-de-lança da equipa adversária. Com serenidade de irmão mais velho, o capitão afiança-lhe que o avançado não é assim tão bom, mesmo tendo jogado no Chelsea. E, mudando de assunto, pergunta-lhe qual é o seu ritual. O jovem olha-o com espanto. Não tem, não é supersticioso, é preciso um? Claro, não se trata de ser supersticioso mas de controlar minimamente o caos. Diz-lhe que pode usar o seu, como se fosse um hipad que se empresta para consultar o mail.
O jovem hesita. E qual é? O veterano tira as sapatilhas e as meias e caminha pela relva. O jovem imita-o e segue-o até ao círculo central. Ficam em silêncio durante uns minutos, até que se recolhem ao balneário. O contacto dos pés nus com a relva é um ritual propiciatório dirigido à potência da terra, um modo de dizer: senti o chão, o campo também passou a ser meu, o jogo vai correr bem. O caos organiza-se, o medo cénico diminui.
O ritual é uma coisa séria e não há jogador ou treinador que não deva ter um, seja beijando a tatuagem ou a cruz no fio de ouro. Bernardo Silva, meia hora antes dum jogo, vai buscar café para si e para Mahrez. Apesar de não ter superstições, só ele pode trazer o café, e não Mahrez, porque seria romper a ordem. Este tipo de gesto é comum nas artes de palco - os actores são supersticiosos. Quem pisa um palco sabe que não basta estar preparado, por isso, para reforçar a preparação, firma pactos de favorecimento com entidades secretas. O ritual relembra esses pactos na antecâmara da cena, chame-se ela Old Trafford, Fontelo, Carneggie Hall, ou Plebeus Avintenses.
Pode-se troçar de quem crê, mas parece que até as Sads recorrem ao esoterismo. A fazer fé em certa Imprensa, a SAD do FCP teria recorrido a uma especialista em matérias do oculto. Ainda bem que Taremi marcou ao Benfica - já corria o rumor de que a seca do iraniano se devia a pagamentos em atraso.
P.S. É inaceitável que Eleven e Sport TV não transmitam a CAN num país com tantos afrodescendentes e tão devedor do futebol africano. Ainda bem que o canal da FPF estava atento.