FOLHA SECA - Um artigo de opinião de Carlos Tê.
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Mal chegou ao Chelsea, o americano Todd Boehly, novo dono do clube, tratou logo de apresentar ideias para melhorar a Premier League.
O sonho americano é mostrar aos europeus como se faz mais dinheiro dessa especiaria nativa - o futebol - que só os ingleses rentabilizam de modo satisfatório, mas ainda longe do negócio ideal.
Tudo começou no Manchester United, com a contestada família Glazer que, apesar de tudo, se manteve respeitadora da história do clube e do futebol inglês. Agora, Bhoely parece trazer planos para uma Disneylândia formidável que desregule um já desregulado ecossistema em que os predadores de topo devoram os de baixo na cadeia alimentar.
Do lado dos remediados, Mourinho queixou-se do fosso crescente. Só esta época, os ingleses gastaram 2000 milhões de euros a rapar ligas menos ricas, mas ainda assim prósperas, como a alemã, a italiana, a espanhola, a holandesa. Numa liga fraca como a nossa até há um ditado - futebol é o momento - que tem variantes - o comboio pode não parar duas vezes na estação. Ou - hoje há quem pague, amanhã não se sabe. À fome de agentes e jogadores junta-se a vontade de comer das SAD"s e no fim ganham todos, mesmo perdendo desportivamente.
Emigrar é o passo sonhado e lógico para os jovens, mesmo quando precoce. Sobrevivem os melhores e ganha a Selecção, que poderá ser um TGV com o engenheiro certo. Se correr mal, há sempre um regime de segundas oportunidades. Fábio Vieira trocou um posto garantido de maquinista no Porto pelo banco do Arsenal. Fábio Silva, depois de apanhar um irrecusável comboio de segunda para Wolverhampton, tomou o suburbano para o Anderlecht. Vitinha seguia o mesmo rumo mas voltou a tempo de tomar o Intercidades duma cláusula mais digna. Toda a gente ficou feliz, o momento foi agarrado, Vitinha é titular em Paris e estará no Mundial, mas Trincão e Renato Sanches tentam voltar à bitola alta a tempo de merecer um lugar nesse Alfa Pendular.
Imitando o pêndulo do mundo, a riqueza acumula-se em dois por cento dos clubes. É uma questão de tempo até o ecossistema impor, sem dor, uma Superliga, apesar do presidente da UEFA jurar o contrário. Ciente disso e adiando o descarrilamento duma dívida superior a mil milhões de euros, o Barça antecipou receitas futuras para ter Levandowsky e Rafinha. Só a Superliga salvará clubes demasiado grandes para falir, e o Barça aguarda-a na gare dos estroinas, ao lado da Juventus e do Real Madrid, que também já teve melhores dias.
Irritado com a relativa perda de valor da liga espanhola, o presidente Javier Tebas tem disparado em todas as direcções, sobretudo contra o PSG, pelo fiasco de Mbapé. Levandowsky foi a única estrela contratada, aos 33 anos. Benzema tem 34 e Modric 35. Tal como Mourinho, Tebas invoca o fair-play financeiro, mas espanhóis e italianos não têm feito outra coisa nas últimas décadas senão desequilibrar o ecossistema. Agora esperneiam ao sentir os ferros que ajudaram a afiar. Merecem a Disneylândia com a banheira dourada do Tio Patinhas ao centro.