FOLHA SECA - Uma opinião de Carlos Tê
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Suponho que, vista do banco, uma derrota no último suspiro dum jogo seja diferente da que é vista do sofá. No banco, engole-se a côdea e passa-se água pelas frontes; no sofá pode-se atirar uma jarra ao televisor, ou aceitar o destino com conformismo por estar escrito na cara de alguns jogadores exibindo uma aflição de tempo esticado para lá do suportável, e não o nervo de quem resistiria mais três cantos se fosse preciso.
A derrota deve ser discutida pelo prisma de cerrar fileiras nem que chovam picaretas. A matriz do FCP é essa, e não se cumpre com gente que marca com os olhos e desliga antes do gongo
O adepto vê a equipa jogar mais do que o adversário, abastado e favorito, e dá consigo a elaborar entre dentes uma espécie de manual para totós com gritos de alerta a um atarantado Zaidu, que às vezes parece estar ainda em Mirandela; ou a um João Mário incapaz de crescer perante Oblak e sem rasgo para evitar um canto proibido. Ou a um Bruno Costa fatalmente vagaroso a colocar um rato de área, como Griezmann, em fora de jogo. E que dizer do rictus ofegante de Galeno junto à linha, já visto em Barcelos, como se tivesse corrido a maratona? Um dia, Galeno aprenderá a dosear a combustão com eficácia, mas por agora devia entrar a vinte minutos do fim para demolir defesas desgastadas, como contra o Sporting, depois de Pêpê ter moído a muralha lá na frente. Mas o adepto sabe que ter um Pêpê mais recuado, como antes Corona, faz parte do diálogo de surdos que Conceição vem travando com a SAD sobre o rol de defesas direitos que teve ao seu dispor, sem que nenhum lhe servisse.
A derrota é sempre instrutiva desde que não se faça hábito. Jogador que não se revolte consigo e com as suas limitações tem um Chipre à sua espera. Por muito promissora e espicaçada que seja, há gente que nunca sobe de patamar. Taremi compensa as suas pechas com voluntarismo e abnegação, mas o mau circo de Madrid foi um maná caído sobre Lisboa. Não haverá árbitro que, na dúvida, lhe volte a marcar um penálti. Percebe-se que Conceição não o sente no banco contra o Chaves - porque a qualidade é escassa e há que puxar o lustro da campanha -, mas o erro não pode passar em claro, como não passam os de Bruno Costa, Marcano ou João Mário.
Voltando à dura temática da derrota: qual a diferença entre uma vitória moral e uma injustiça saída de tiros nos próprios pés? A primeira já não se usa, mas a injustiça reconforta um pouco mais. Os tiros nos pés, esses, mitigam-se com planteis melhores, daí ser avisado não discutir a derrota pelo prisma do canto que se marca ou não depois da hora, mas pelo prisma de cerrar fileiras nem que chovam picaretas. A matriz do FCP é essa, e não se cumpre com gente que marca com os olhos e desliga antes do gongo. Se a SAD não faz planteis à altura da história do clube mas em função do negócio que dirige, então mais derrotas se anunciam. Ser competitivo não é levar o carro à revisão anual, trocar peças rodadas por peças novas e rolar. Toda a mecânica tem limites, sobretudo na Liga dos Campeões.
A boa notícia, tirando a perda temporária de Otávio, é Eustáquio ser um nome de guerra. Se não fizer um bom Mundial pelo Canadá, talvez sobreviva a Janeiro.