PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 O futebol é mesmo grande. Emocionalmente infinito. A metralhadora dentro da cabeça de Burak Ylmaz no penálti ao minuto 85 que daria o empate, o remate por cima da barra, e, pouco depois, ecos de outro remate, esse do meio da rua, do macedónio Trajkovsky, o único verdadeiro remate da sua seleção em todo o jogo (contra os 32 italianos) e o golo.
De repente, tudo mudava de lugar. As emoções, o medo, a coragem, a alegria, o desespero. Pelo meio, o mundo das táticas, de que tanto gosto de falar, mas, pergunto-me, o que valem mesmo todas elas perante estes insondáveis desígnios dos deuses do futebol?
2 Sim, há um exemplar que aqui pode erguer-se e dizer que vale muito e fala com a essência do melhor jogo: a técnica e suas botas. Otávio iluminou o terreno e o divino. O golo da "segundo bola em que é preciso sempre acreditar" e um passe doçura a fazer a bola levitar, quase pairando por cima de toda a defesa turca, até à cabeça de Jota. Pelo meio, e desde o início, a personificação da chave da tática que fez o jogo da seleção mover-se.
4x3x3, 4x2x3x1, 4x4x2? Sistemas, sistemas. Otávio é muito mas do que isso. Ou melhor, é isso tudo ao mesmo tempo e, alternadamente, na versatilidade com que, por si, faz desenhar os diferentes sistemas. Desde a faixa direita, casa tática em que cresceu com a intimidade da relva do Dragão, deu o critério obrigatório para relacionar faixas com zonas interiores e assim dar à equipa, na melhor fase coletiva, o poder de desequilíbrio devidamente... equilibrado na ocupação de espaços.
3 Mesmo assim, não foi um jogo que, por algum instante, nos desse sensação de segurança. Fernando Santos não quis correr o risco de ficar com a ultima imagem de.... não correr riscos, no que era o seu possível último jogo na Seleção.
Por isso, Moutinho a "6" e dois interiores subidos atacantes, Bruno Fernandes e Bernardo Silva. Com bola, caímos em cima dos turcos. Sem bola, aconteceu o mais temido: o jogo excessivamente partido a meio-campo, que permitiu demasiadas saídas aos turcos, criando muitos lances de golo.
Quando quisemos meter o modo de gestão, tal fez baixar o ritmo como, em igual proporção, a intensidade do próprio jogo da nossa seleção. E íamos deitando tudo a perder (quando William Carvalho já entrara para, na parte final, sufocada, dar mais corpo e peso ao meio-campo e voltar a colá-lo).
A vitória dá legitimidade para Fernando Santos puxar de um cigarro em pleno relvado, mas a exibição deverá fazê-lo fumar sem parar até ao decisivo encontro com a Macedónia, uma seleção "filha dum Diabo tático menor", mas que, viu-se em Itália, está a jogar toda a sua história, sem dilemas táticos ou estéticos, a cada 90 minutos. E, não foi por acaso que revi, naquele remate do Trajkovsky, algo de outro, o do Éder. Emocionalmente finitos no fundo das redes. Ambos.
O fim do futebol italiano
A arrepiante queda da Itália causa alucinações. Do penálti falhado no último instante frente à Suíça ao volume de ataques contra a Macedónia, até levar com um golo a acabar. É, porém, algo mais do que o destino estar escrito. Pelo meio destes dois incríveis falhanços de apuramento para o Mundial, existiu um onze cheio de talento que ganhou o Europeu.
Nessa altura, Mancini, depois de tantas experiências para reconstruir o grupo da seleção, tinha, por fim, criado novas referências para lhe dar qualidade e identidade. A forma como perdeu essa consistência é enigmática. Bastou um mau resultado (empate em casa com a Bulgária) para tudo voltar a ser colocado em causa nas convocatórias. A equipa voltava a enervar-se, o onze mudava jogo após jogo. Num ápice, a identidade esfumou-se até, no derradeiro embate com Macedónia, lançar o brasileiro recém-naturalizado João Pedro Galvão (passou há anos pelo Estoril) para tentar ganhar o jogo. Naquela altura, percebia-se, já não era a Itália, património histórico, tático e identidade que estava em campo. A refundação do Calcio necessita de convicções. Com tanto talento, o debate não pode estar nos jogadores, mas sim na falta de solidez e plano estruturado de todo o edifício do futebol italiano. Ver a Itália neste estado é ver a história do futebol em crise.