A aquisição de parte do capital social da SAD do Braga pela QSI deixou-me com sentimentos ambivalentes
PASSE DE LETRA - Opinião de Miguel Pedro
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1 - Ufa, que semana. Começou na ressaca de uma inesperada derrota caseira, frente ao Chaves. Um jogo no qual a falta de inspiração e de eficácia dos bracarenses (30 remates e nenhum golo) só foi superada pela lamentável atitude antidesportiva da equipa flaviense, que aos 8 minutos de jogo já punha em campo aquela que foi a sua principal tática: o antijogo.
VERGONHA! Depois, veio a notícia: a aquisição, pela Qatar Sports Investments (QSI), de 21% do capital social da SC Braga, SAD, por aquisição das ações da Olivesdesportos.
A seguir, passamos para o frenético jogo contra o belga do Saint-Gilloise, nas antípodas do jogo contra o Chaves: duas equipas equilibradas, a atacar, a jogar sem freio, a marcar golos. Ainda que o resultado não tenha sido o melhor para nós, fiquei satisfeito pelo espetáculo e orgulhoso pela exibição dos bracarenses.
E hoje teremos a Taça de Portugal, competição a que nos candidatamos para vencer. Ser adepto deste clube é um privilégio, de facto.
2 - A notícia da aquisição de parte do capital social da SAD pela QSI deixou-me com sentimentos ambivalentes. Já muito escrevi neste espaço sobre estes fundos detidos por estados soberanos que não partilham connosco os ideais iluministas saídos da Revolução francesa.
Por um lado, como adepto, só tenho que ficar satisfeito. O investimento é, desde logo, o reconhecimento de que a SAD bracarense é uma estrutura promissora, pela sua estabilidade, pela sua formação, pela sua performance desportiva e financeira. Além disso, abre perspetivas de crescimento acelerado, não só pela possibilidade de permutas de jogadores (de elevadíssimo nível) que poderão enriquecer o plantel do Braga a curto prazo, mas também pela abertura de novas parcerias comerciais com grandes marcas que passam a estar disponíveis e acessíveis para o Braga.
Mas, por outro lado, como cidadão do mundo, preocupa-me que em estados como o Catar (beneficiário do fundo QSI) ainda seja a irracionalidade da religião a ditar as leis civis e criminais, que a liberdade de mulheres e de minorias seja seriamente coartada, que não exista uma verdadeira separação de poderes ou que o poder executivo se eternize, sem participação democrática. Faz-me confusão.
A esperança é que, em duas ou três gerações, através do desporto (mas não só) seja possível, lentamente, mudar as mentalidades nesse país, abrindo-o a um processo de racionalidade, de igualdade e de participação democrática.