PLANETA DO FUTEBOL - Uma análise de Luís Freitas Lobo
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1 - Um dia, tudo acaba. O defeso não são só transferências. Na sombra, também estão os que sentem que chegou a hora de terminar. Uma carreira passa depressa.
Vejo Ronaldo receber o quadro de homenagem dos 200 jogos e impressiona-me perceber que já passaram vinte anos desde que estava em Chaves na tribuna daquele jogo contra o Cazaquistão e o então miúdo génio-promessa entrou. Agora, estava a comentar o Islândia-Portugal e pensei para mim: "2003? mas isso... foi ontem". Nada disso. De repente, eu já tinha 55 e o Cristiano 38. O tempo voa. Só por isso, fiz logo mentalmente uma vénia a Ronaldo. Não pelo que jogou, bem ou mal. Isso já pouco me importava neste jogo.
2 - E assim segui os 90 minutos.
Não me desiludiu quando já não teve tempo de reação àquela bola que o apanhou isolado na área (anos atrás nem daria para o defesa pestanejar e o remate já saíra disparado para a baliza) mas demorou a arrancar e o tal defesa surgiu para o corte e forçou um remate torto para fora.
Nem me empolgou no último minuto (porque Martínez nem ousa tirá-lo), ao estar no sítio certo e encostar para o golo que festejou como o primeiro. Arrisco dizer mais do que o primeiro, até porque este teve tempo de espera. Um "pause" antes do "play". O tempo em que o VAR revia a jogada e Ronaldo esperava, especado junto ao árbitro, perguntando-lhe de olhar ansioso, esbugalhado, "gol? gol?", até que chegou a confirmação e saiu a correr disparado a festejar.
A vénia, dizia, já fizera quando o ouvi no dia anterior afirmar que ia continuar: "Nunca darei o meu lugar grátis".
Estes jogadores são feitos de outra casta. Porque em condições normais ele já estava a duvidar de si próprio.
3 - Lembro Tévez, quando após ir acabar na China, sentiu um vazio e hesitou quando o Boca o quis de volta. Não sabia o que fazer: "Um dia levanto-me e digo volto. Outro dia, levanto-me e penso... não, nem louco. Está assim a minha cabeça".
Na altura, Ruggeri, central da Argentina"86, que jogou até aos 37, confessava em estúdio que decidira parar quando já lhe custava ir aos treinos. Ia a conduzir para mais um e parou o carro na berma. Não lhe apetecia chegar. Até que quando chegou mesmo disse ao treinador, que também não o ousaria tirar porque era um campeão do Mundo, que "no domingo meta o "pibe" de início e eu entro a dez minutos do fim e acabou-se". Assim foi.
Ao passar do tempo, só cada um sabe o que sente. Se eu na minha atividade tantas vezes me questiono, imagino um futebolista confrontado com esse monstro.
Nem Ibrahimovic, o maior de todos a lidar com o tempo, resistiu e parou, aos 41 anos. Saiu, porém, num discurso emocionado mas em que acabou domando doutra forma o tempo: "Abandono mas voltaremos a ver-nos por aí..." . Fez uma pausa e rematou: "Se vocês tiverem sorte". Grande!
É inevitável um clube vender-se?
Gosto de ouvir o presidente do Belenenses, Patrick Morais de Carvalho, quando assume uma luta que dizem ser impossível de ganhar: um clube baseado no seu movimento associativo sobreviver nos campeonatos profissionais numa altura em que dizem que isso só é possível através da venda de grande parte a investidores.
No passado, já assumira a rutura com a SAD (que ficou como B SAD a competir órfã de sócios e emblema). Foi para os distritais e subiu todas as divisões até chegar à II Liga sem voltar a vender a alma ao diabo (porque, convém lembrar, que os tais investidores quando entraram na altura salvaram o clube da falência).
O desafio de sobreviver enquadrado num modelo de gestão vinda do passado
Gostava que o Belenenses ganhasse este desafio mas só este curto resumo da história, em paralelo (como começa) e em conflito (como termina), diz tudo sobre a realidade complexa em que os clubes vivem e que o Belenenses e sua anterior SAD são um exemplo e um "case study" perfeito para todos os outros (leio desejos envolvendo o Rio Ave e o Paços de Ferreira) que se querem meter por este caminho.
Dirão que é o único possível. Digo que é o mais fácil e negocialmente atraente. Entre uma possibilidade e outra existe uma margem de ação (com parceiros) que os clubes necessitam de ter. Não sei é se interessa a quem entra (e a quem está).
Não chegámos ainda ao fim da história. Nem no futebol, nem em nada na vida.