Tudo isto na mesma semana em que um dos melhores jogadores (e em forma) do nosso campeonato, quase sempre convocado mas jogando depois pouco, decidiu que não, não queria mais a Seleção, aos 29 anos
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1- Há qualquer coisa na atmosfera que provoca alucinações. A Seleção é (historicamente) o nível máximo de consagração dum jogador. Foi nesse espaço que, cada qual no seu país, as maiores lendas subiram à eternidade. A partir do futebol a cores, Pelé, Maradona, Cruyff... e também Zidane, Ronaldo "fenómeno"... até que a história passou a necessitar de impactos mais permanentes.
Acabou por ficar em Manchester, perdeu a pré-época, o que se nota nas suas exibições neste início de campeonato, mas, de repente, lembrou-se da Seleção. Viu o glamour das Quinas de Ouro e sentiu onde estava a imortalidade de poder dizer que vai jogar este Mundial e o próximo Euro em 2024, quando já tiver 39 anos
Messi e Ronaldo já surgem numa lógica existencial diferente, a do sensacionalismo do futebol-espetáculo que tornou os clubes em máquinas de fazer heróis. As seleções tornaram-se, progressivamente, espaços nacionais contracorrente que, a cada 90 minutos, desintegram das multifuncionais clubísticas.
Continuam a dar prestígio mas neste mundo de vertigem a história não pode esperar cada quatro anos para eleger as suas lendas. O futebol, e a vida, exige heróis (reais ou imaginários) todos os dias. É a tal atmosfera que causa alucinações.
2 - Talvez por isso, Cristiano Ronaldo tenha dado um nó na sua cabeça ao tentar forçar onde jogar esta época, com o desejo de estar na Champions e não se lembrar, como prioridade, que esta era uma época totalmente atípica (disfuncional mesmo), com um Mundial no meio dela e no qual uma conquista aqui será sempre mais importante do que qualquer troféu de clubes.
Acabou por ficar em Manchester, perdeu a pré-época, o que se nota nas suas exibições neste início de campeonato, mas, de repente, lembrou-se da Seleção. Viu o glamour das Quinas de Ouro e sentiu onde estava a imortalidade de poder dizer que vai jogar este Mundial e o próximo Euro em 2024, quando já tiver 39 anos.
Quem o pode contrariar? Quem, perante este desejo mostrado pelo nosso super-herói com bola, pode dizer que talvez o tempo da história não seja assim tão conivente com ele e seus desejos? Nenhum ser humano de estrutura fará isso.
3 - Tudo isto na mesma semana em que um dos melhores jogadores (e em forma) do nosso campeonato, quase sempre convocado mas jogando depois pouco, decidiu que não, não queria mais a Seleção, aos 29 anos.
É o enigma de Rafa (sobre o qual, curiosamente, sem suspeitar da decisão anunciada dias depois, aqui escrevi na passada semana). Não sei a razão mas ouvindo Quaresma parece que aqueles factos dissonantes (selecionado sempre e jogar pouco) seriam a moldura da decisão: "Revejo-me um pouco, porque também me passou isso pela cabeça. No clube estava a voar, chegava à Seleção e raramente jogava".
Tudo irá, concluímos, da cabeça do jogador mas, nesse mundo particular impenetrável, é, confesso, na de Ronaldo que queria mesmo entrar. Tirar-lhe dela, nesta fase, o ser menor de outras competições (os clubes podem esperar) e investir tudo na... história! O desafio ao impossível sempre foi sua especialidade ao longo da carreira. E, depois, até os clubes mudariam de ideias logo em janeiro.