PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - As categorias de jogador e de goleador são distintas. Fábio Carvalho é um miúdo português que, com 11 anos, se mudou com os pais, à procura duma vida melhor, de Torres Vedras para Londres. Os seus primeiros pontapés na bola tinham sido dados nas escolinhas do Benfica. Foi crescendo e a essa paixão levou-o a jogar em equipas de bairro que disputam aquilo que em Inglaterra chamam as "Sunday Leagues", as ligas de domingo, visto que o dia, por excelência do futebol em Inglaterra, sempre foi o sábado. A equipa onde jogava chamava-se Balham Blazers.
Foi então que olheiros do Fulham reparam nele e, com apenas 15 anos, ingressou nas suas equipas de base, onde, rapidamente, com o seu futebol diferente, subiu, com idade menor, para brilhar no onze sub-18. Ele tinha mesmo algo especial. Como médio-centro ofensivo, quase um nº 10 segundo-avançado, foi, em 2017, convocado para jogar pela seleção de Inglaterra sub-17. Por essa altura, Portugal já reparara nele e tinha-o convocado para a seleção sub-15, mas o seu crescimento futebolístico já tinha sido inglês e, por isso, aceitou e foi até capitão da equipa britânica!
2 - A vida continuou, mas foi com surpresa quando, em Maio de 2021, com a equipa principal do Fulham a lutar por não descer de divisão e a perder 0-2 contra o Chelsea, o treinador Scott Parker, olhou para o banco e viu o miúdo que todos admiravam da formação. Foi assim que, com o n.º 48, Fábio Carvalho, já com 19 anos, se estreou no grande futebol.
O Fulham acabaria mesmo por descer de divisão, mas o talento de Fábio despertara todos os olhares. É, por isso, que a sensação que ele está a causar esta época como titular no onze de Marco Silva (líder do Championship), não surpreende quem o conhece desde o berço. Resgatando a frase de inicio do texto, Fábio Carvalho mistura o conceito de jogador e goleador porque, como homem livre no centro do 4x2x3x1, tanto inventa jogadas, fugindo pela faixa e metendo diagonais, como surge desde trás no sitio certo (com leitura antecipada do espaço vazio) para finalizar. Cria e faz golos.
3 - A questão, agora, coloca-se em saber por qual seleção principal sénior ele irá jogar. Até ao momento, vestiu sempre a camisola dos três leões da Inglaterra em todos os seus escalões jovens mas a dupla nacionalidade abre-lhe a decisão até a idade adulta atual, num momento em que até Klopp já disse que o quer no Liverpool.
Apesar de crescido em Inglaterra, Fábio Carvalho não é, no estilo, um "jogador inglês". O seu perfil "roda baixa" (apenas 1,70m.) tem muito da morfologia portuguesa e o serpentear do seu jogo com a bolinha colada ao pé tem tudo da escola latina. A aculturação do espírito competitivo (a tal intensidade que o faz estar sempre em cima da bola, tendo ou não a sua posse) tornaram-no num jogador mais completo que entrou, facilmente, com 19 anos, entre os duros centrais da II Liga inglesa, onde o futebol tradicional britânico "old-school" ainda surge em muitas equipas.
4 - A miscigenação de estilos sempre foi uma dádiva para o futebol e Fábio Carvalho é um exemplo luso-britânico disso, por nascimento e formação (a natureza e o fabricado). Arranque poderoso e freio seco. Se apreciarmos as suas fintas, vemos as suas soluções (travessuras) técnicas. Se confiarmos na sua personalidade competitiva, não há nada que faça não acreditar no "fighting spirit" (espírito lutador) inglês.
Alguns jogadores são elogiados por meterem a bola onde põem os olhos. Pois eu acho que é mais admirável ver aqueles que metem a bola num sitio enquanto enganam olhando para outro oposto. O Fábio tem muito disso. É um grande mentiroso de futebol em campo. Isso já é nosso.
Seria mais um fenómeno contra cultural vê-lo jogar na seleção inglesa ao longo da carreira, mas a globalização não tem a mesma sensibilidade das escolas de futebol, onde, cada qual (por todo o mundo) recebeu e tratou a bola de forma e diferente. Até hoje.
Como joga o Union Berlim, sensacionalmente num lugar de Champions?
É uma das principais equipas-sensação esta época na Bundesliga. O Union Berlim, símbolo da antiga RDA, conseguiu em 18/19 ser a primeira equipa da antiga Berlim Oriental a subir à I Divisão da Alemanha reunificada. Depois de anos a lutar pela sobrevivência, surge agora com uma boa equipa, bem montada por Urs Fischer, um treinador metódico que, a partir dum sistema de 3x5x2 (3x3x2x2), se colou ao topo da tabela (4.º lugar).
Partindo duma linha de três centrais (Baumgartl, Knoche e Jaeckel), ataca pelas faixas com as subidas dos laterais (Giesselmann, à esquerda, e Trimmel, à direita). Desta forma, garante largura no jogo, enquanto no centro fixa sempre um triângulo de médios onde a referencia mais recuada com dotes de construção e pressão é Khedira. Desta forma, os interiores saem bem para o jogo, Oztunali ou Promel, mais no passe, e o japonês Haraguchi, mais rompedor desde interior-esquerdo..
No ataque, teve na primeira volta o experiente Kruse como homem mais adiantado, mas saiu, surpreendentemente neste mercado para voltar ao Wolfsburg. Desta forma, o ataque fica entregue a avançados mais móveis como referências ofensivas: Volsgammer, que também cai em largura ou, sobretudo, o perigoso nigeriano Awoniyi, 24 anos, crescido sobretudo no futebol belga, no Mouscron (leva 9 golos marcados).
Será difícil aguentar o lugar de Champions, mas é uma equipa que vale a pena ver jogar.
Clint Dempsey
Um dos jogadores que mais se destacou no Fulham nos últimos anos foi o americano Dempsey, um avançado que sabe pegar no jogo atrás e com grande capacidade física e técnica, invadia espaços e rematava muito forte. A elegância e potência que metia no jogo em posse de bola impressionava por todo o campo. No Fulham, bateu o recorde do clube ao marcar 50 golos na Premier League entre 2007 e 2012. Brilhou em Mundiais e acabaria a carreira em 2018, nos EUA, no Seattle Sounders.