<strong>ENTREVISTA (parte 1)</strong> - Portugal já deveria estar a pensar quais as modalidades que podem ter público e não a debater um número de testes à covid-19 que são impossíveis de fazer, explicou José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal a O JOGO
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O presidente do Comité Olímpico de Portugal acusa Direção-Geral de Saúde (DGS), após as medidas anunciadas para a remota da atividade, de falta de adaptação dos critérios ao desporto. Não sendo uma crítica direta ao Governo, José Manuel Constantino lembra que qualquer regresso contempla riscos e a inércia acaba por ser o maior deles.
A retoma do desporto implica riscos, que devem ser assumidos, defende Constantino, explicando as suas divergências com as medidas da DGS
Tem uma leitura contrária ao Governo em relação às recomendações da DGS para a retoma da atividade desportiva e tem sido crítico. Refere-se à atuação da Secretaria de Estado da Juventude e Desporto (SEJD) ou ao facto de esta ser pouco ouvida?
-Não tenho nenhum elemento que me permita afirmar se é muito ou pouco ouvida. O contacto que tenho com a SEJD, nomeadamente com o secretário de Estado [João Paulo Rebelo], permite-me concluir que é uma pessoa interessada, disponível e mobilizada para encontrar as melhores soluções. Estou convencido que, junto dos restantes colegas de coordenação, defende os pontos de vista que transmite às organizações desportivas: se são ou não acolhidas pelos seus colegas, não tenho de saber; não é matéria que me diga respeito. Aquilo de que me apercebo, e emito opiniões, são as decisões que o Governo toma, independentemente de terem origem nas Finanças ou Saúde.
Mas já criticou publicamente a DGS pela falta de clareza no que à formação diz respeito. Podemos falar num documento omisso?
-A leitura que o Comité Olímpico faz não é a mesma do Governo: não quero que, sobre este assunto, subsistam dúvidas nem se diga que da parte do Comité Olímpico há vontade de contrariar, prejudicar ou não ajudar num problema que, reconheço, é complexo. A divergência de leitura que temos é em relação à realização dos testes nas competições para as modalidades consideradas de risco alto. Na nossa leitura, o documento que saiu da DGS vincula as federações desportivas à organização desses testes, transferindo responsabilidade para clubes e associações. A versão que inicialmente foi consumada com as federações das modalidades de pavilhão era distinta e dizia que as federações podiam considerar a possibilidade... O podiam considerar passou para "considerarão". Passámos para uma posição impositiva, categórica, transferindo as responsabilidades das autoridades de saúde para as organizações desportivas.
"Devíamos estar a discutir quais as modalidades onde a presença de público será possível, mas nem aí haverá uma decisão conjunta"
Sem conhecimento da realidade de muitas dessas organizações?...
-Não, e esse é outro problema. As autoridades de saúde sabem que não há capacidade no país para testar, nas modalidades de risco elevado, os atletas 48 horas antes. Estamos a falar de 13 mil atletas. Todos os fins de semana. E 13 mil é o número de testes que em Portugal são realizados em média diária para a população, independentemente das questões financeiras. As autoridades de saúde sabem que não vale a pena fazer exercícios em volta da obrigatoriedade ou falta dela, porque não há capacidade, operacional e logística. E são custos financeiros incomportáveis. É um risco, e esse risco tem de ser assumido. O Governo fez a leitura que possível antes de o documento ser alterado, mas o documento foi alterado num fim de semana.
E quanto à formação?
-Compreendemos que a retoma deve ser feita de forma gradual e não intempestiva. O que não concordamos é com o ritmo. No dia 31 de julho, o Conselho de Ministro anuncia a retoma da atividade desportiva, de acordo com as regras definidas pela DGS. Não quero acreditar que não houvesse trabalho já feito. O Governo só anuncia - digo eu - por ter trabalhado com as autoridades de saúde. Passaram 25 dias até que a decisão fosse conhecida. Hoje devíamos estar a discutir quais as modalidades onde a presença de público será possível, mas nem aí haverá uma decisão conjunta.
Houve negligência da DGS?
-Não há negligência, mas resistência - sempre houve.
Falta de diálogo?
-Também não. Que pretendem as autoridades de saúde? Não é que haja o maior número de contaminações, ou que fiquemos todos em casa. O país podia acabar, mas nós ficávamos todos em casa... Não é possível. A retoma da atividade económica, empresarial e desportiva do país, pese embora todos os cuidados, vai ser feita com riscos. Não é possível retomar a atividade desportiva partindo do princípio que não há riscos de contaminação, porque haverá. Temos é de fazer todos os possíveis para os reduzir e limitar.
"Desconfinámos perto de 40% da atividade - faltam 60%, a dos escalões não seniores. É o grosso"
A união das federações de andebol, basquetebol, futebol, patinagem e voleibol, para responderem em conjunto à pandemia, foi um dos pontos positivos dos últimos tempos. Sem a ação dessas federações não teríamos ainda mais restrições?
-Não quero fazer uma avaliação desse tipo. Todos estamos, desde março, a ser confrontados com uma situação inimaginável e é natural que vamos reagindo às ocorrências, que vamos encontrando respostas. O problema destas orientações, que nos escalões seniores respondem ao essencial das necessidades, é não ter sido encontrada a solução para a formação. Desconfinámos perto de 40% da atividade - faltam 60%, a dos escalões não seniores. É o grosso.
- Há clubes em risco de desaparecer?
Claro. Sobretudo aqueles que assentam a sua atividade nos escalões de formação, que alimentam a atividade desportiva e geram alguma receita que permite a sua sustentabilidade.
"Não sabemos quantos fecharam"
José Manuel Constantino sabe que o COP não tem capacidade para fazer o levantamento dos clubes em risco de sobrevivência. "Não temos meios nem condições para quantificar isso. Foi uma das observações que fizemos na cimeira das federações e solicitámos ao Governo que, junto da administração pública desportiva, fizesse esse levantamento: quantos clubes fecharam? Quantos mantiveram a sua atividade? Não há uma radiografia da situação desportiva do país. Até sinto algum incómodo com essa pergunta", admite.
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