O críquete e o basebol estão entre os 10 desportos mais populares do mundo e a final do futebol americano, conhecida por Super Bowl, é dos eventos mais vistos do ano, mas todos eles são residuais em Portugal, por uma questão cultural. Já o esqui e o hóquei no gelo têm um problema mais profundo: a falta de locais de treino num dos países mais quentes da Europa
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Hoje, Portugal e muitos países com a mesma cultura desportiva estarão atentos a um fenómeno mundial, o Super Bowl, mas este é o único dia no ano em que um desporto fora do nosso contexto prende atenções. Outros de dimensões ainda maiores, como críquete e basebol, nem esse momento de glória conseguem, embora no nosso país também possuam campeões, seleções, centenas de praticantes e até polémicas. Aliás, o críquete até é mais antigo entre nós do que aquele desporto a que na altura chamaram "foot ball".
O Super Bowl é um dia muito especial para a comunidade nacional do futebol americano, que regista cerca de mil praticantes. A federação portuguesa, que ultima a legalização e terá sede no Porto, não tem qualquer iniciativa associada, mas sabe o que se irá passar. "A maioria dos clubes vai organizar-se e ver o jogo em conjunto, com amigos ou em cafés, como no passado", esclareceu Jéssica Rocha, vice-presidente federativa.
A história do futebol americano nacional começou no Porto, com os Renegades, que fizeram os primeiros jogos contra equipas galegas. Este ano, a décima edição da liga portuguesa vai na terceira jornada e hoje há um embate de líderes, entre Porto Mutts e Lisboa Navigators. As oito primeiras edições foram ganhas por equipas de Lisboa, mas em 2018 o triunfo foi do portuense Portuscale Dragons. Por motivos disciplinares, a equipa foi suspensa e está impedida de defender o título.
Esta época a Liga tem nove equipas e será criado o Campeonato Nacional, destinado a núcleos que estão a começar e têm menos capacidade financeira. A maior dificuldade do futebol americano está aí, nos equipamentos onerosos, que obrigam qualquer clube a ter mais de 14 000 euros por ano só para poder jogar. E os patrocínios e apoios institucionais são escassos.
Prevê-se que a Seleção Nacional se estreie este ano, não se sabendo ainda com quem e onde, mas Paredes é uma hipótese, por ser a única localidade com um campo exclusivo para este desporto.
Basebol no Desporto Escolar
O basebol também chegou da América do Norte e em Portugal vive uma fase conturbada - a federação perdeu o estatuto de utilidade pública em 2013. A modalidade foi introduzida no nosso país em 1993, por Fernando Lucas, com o Clube de Basebol de Portugal. Este professor é agora o presidente dos White Sharks de Almada, um dos principais clubes nacionais e sempre candidato ao triunfo no Circuito Nacional de Basebol, que no último ano foi conquistado pelos Piratas de Aveiro. O título discute-se de forma ininterrupta desde 1994 e esta época jogam sete clubes.
Calcula-se que haverá cerca de 100 atletas seniores, numa modalidade que tem crescido no centro, devido ao regresso a Portugal de muitos emigrados na Venezuela, onde é desporto-rei. Também portugueses crescidos nos Estados Unidos, Canadá e Alemanha retomaram por cá o basebol.
Para o futuro, a modalidade espera colher frutos do trabalho no Desporto Escolar. "Na Península de Setúbal há uma forte implantação, com uma liga escolar de softbol com 10 equipas. Também se pratica basebol em escolas de Lisboa e Coimbra", explicou Fernando Lucas.
A Seleção Nacional não joga desde 2006 e a nível de clubes os contactos internacionais só têm existido a nível particular. No basebol também todos pagam para jogar.
Críquete, o velho senhor
O críquete foi igualmente "importado" e está ligado à emigração, mas tem um estatuto de velho senhor. Maria Fátima Buccinazza, secretária da Federação Portuguesa de Criket, esclarece que o seu desporto tem uma liga com quatro equipas da região de Lisboa. Em 2018 foi ganha pelos Asians Cricket Club e nela joga o Mouraria CC, clube constituído por oriundos de Bangladesh.
A influência de jogadores vindos do subcontinente indiano é enorme, visto o críquete ser um dos desportos mais importantes na Índia e no Paquistão, por influência inglesa. O mesmo sucedeu no nosso país, mas século e meio antes. Foi a colónia inglesa que criou, em 1855, o ainda existente Oporto Cricket e Lawn Tennis Club, que disputa com equipas de Lisboa, desde 1861, a Kendall Cup.
Há cerca de 200 praticantes em Portugal, e muitos mais que abordam o críquete como atividade social. Também se joga em Coimbra, em Miranda do Corvo, em várias das escolas internacionais da capital e pretende-se associar uma escola a um projeto de formação, em Loures. Embora existam seleções - só com jogadores de nacionalidade portuguesa, oriundos de várias paragens -, não se pode sonhar mais alto. "Falta um campo exclusivo para praticar. Já fizemos contactos com várias câmaras para esse efeito. Não temos qualquer apoio interno, só da federação internacional, que quer fomentar aqui a sua competição", referiu Maria Fátima Buccinazza.
Emigrante na Austrália, chamam "Ronaldo do críquete" a Moisés Henriques
Moisés Henriques fez na sexta-feira 32 anos e nasceu no Funchal, filho de Álvaro Henriques, antigo futebolista do Câmara de Lobos, estando na lista dos cidadãos mais notáveis da Madeira, ao lado de Cristiano Ronaldo, Pinga ou Alberto João Jardim. Se poucos o conhecem, é porque se naturalizou australiano e joga críquete, sendo internacional há 10 anos pelo novo país. A sua origem leva os amantes do críquete a compará-lo a Ronaldo, mas Moisés nunca atingiu um nível semelhante. "Nascemos na mesma ilha e as similaridades acabam aí. Ele não deve fazer ideia de quem eu sou", já comentou o "all-rounder", que fez carreira no New South Wales e este ano vai para os Kings XI Punjab, da maior liga da Índia, com um salário de 133 mil euros.
Falta neve à ambição do sonho do inverno
Portugal irá ter a breve trecho atletas nos Jogos Olímpicos de Inverno descobertos e treinados na Serra da Estrela. Quem o garante é Pedro Farromba, presidente da Federação de Desportos de Inverno de Portugal, sediada na Covilhã, e que vive uma dificuldade diferente das modalidades que não têm tradição entre nós: aos desportos de neve falta... a neve!
O dirigente tem duas apostas: recursos humanos, por via da formação, e equipamentos. "Já há a possibilidade de detetar talentos em Portugal. O Manuel Ramos é um bom exemplo", garante Farromba, recordando que o jovem estagia e estuda no estrangeiro, sendo uma aposta para os Jogos Olímpicos da Juventude. Tudo começa com uma base e o presidente federativo mostra que já existe: "Com neve só há um local em Portugal, a Serra da Estrela, e por ali já passaram 7000 jovens, que se iniciaram no programa Ski 4 All".
No nosso país existem 600 praticantes nos desportos de neve e alguns já aparecem nos maiores palcos: Vanina Oliveira, que conta com terceiros e quartos lugares internacionais, vai começar a competir na Taça do Mundo de slalom e slalom gigante, Samuel Almeida, que vive na Suíça, é outro exemplo, e há um grupo que vai competir numa prova internacional de sub-15, em Borrufa (Andorra).
No gelo, patinagem, curling e hóquei - este tem 30 jogadores, num clube (Luso Lynx) e numa seleção - só conseguirão sair da fase embrionária quando surgir um Palácio do Gelo. Pedro Farromba assegura "que haverá novidades este ano e será uma realidade", pois "existem contactos bem adiantados com investidores".
Com gelo permanente e neve, brilhará uma luz ao fundo do túnel. "Precisamos de criar condições no gelo e na neve, para que os miúdos possam ter condições para treinar. Pensa-se na criação de um Centro de Preparação de Atletas em Altitude, para todas as modalidades, na Serra da Estrela, mas é preciso aumentar a pista e a sua duração durante todo o ano, algo possível com neve artificial." A ideia não é nova em Portugal. Duas provas de snowboard em jardins da Covilhã e uma na portuense Rua 31 de janeiro já provaram ser possível.
CURIOSIDADES
O taco de críquete do Leixões
No símbolo do Leixões existe um taco de críquete, onde se lê o nome do clube, que nasceu em 1907. Volvido mais de um século, sabe-se que o críquete foi das primeiras modalidades do clube, juntamente com ténis, basquetebol e futebol, mas ninguém conhece a história do críquete nem o porquê de tanto destaque.
Feirense entusiasma no basebol
Entre Sharks, Angels, Highlanders e Tigers, o circuito de basebol tem o... Feirense. Vice-campeão nacional em 2017, é o único dos grandes clubes nacionais na modalidade e até planeia construir aquele que será o segundo campo de basebol do país. FC Porto e Sporting já foram sondados, mas não aderiram.
Críquete chegou antes do futebol
O primeiro jogo de futebol em solo português teve lugar no Funchal, em 1875, promovido por ingleses. O críquete já por cá existia, e muito antes: tropas britânicas envolvidas na Guerra Peninsular, entre 1804 e 1809, jogaram às portas de Lisboa e sabe-se que o Oporto Cricket Club e o Lisbon Cricket Club disputam a Kendall Cup desde 1861 até aos dias de hoje. O torneio só foi interrompido cinco anos, durante a II Guerra Mundial. Atualmente, mais de uma centena de crianças, filhas de emigrantes da Índia, Paquistão e Bangladesh, pegam nos tacos e jogam nas ruas e jardins de Lisboa.
O dia em que o Porto recebeu o snowboard
Foi na bem inclinada Rua de 31 de Janeiro que o Porto recebeu, a 16 de maio de 2007 e numa tarde primaveril, a única prova de desportos de neve nacional fora do seu habitat natural. A competição de Ski Open, prova de esqui na vertente de slalom, era inédita em meio urbano, mas não se repetiu, apesar do êxito - foram milhares a aplaudir. Os snowboarders portugueses evoluíram numa pista com 200 metros, para a qual foram utilizados cerca de 450 metros cúbicos de neve.