Zequinha e a crise em Setúbal: "Estamos a falar de quase seis meses sem receber"
Zequinha é um dos capitães e uma das maiores figuras de um Vitória de Setúbal que se tenta reerguer depois da queda para o Campeonato de Portugal. Os resultados estão à vista, mas há muitas adversidades para combater.
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A descida ao terceiro escalão, vários meses de salários em atraso e uma situação diretiva inconstante. Todos estes ingredientes poderiam formar uma tempestade perfeita para a desgraça, mas a história também pesa e há quem lute para manter o V. Setúbal de pé.
Zequinha, um filho da terra e um vitoriano de gema, é um dos que, dentro de campo, tenta devolver a glória aos sadinos. O amor ao clube foi maior do que as propostas que recebeu e agora tem liderado a equipa num excelente início de época, que vai colocando o Vitória no topo da Série H. A nível individual, as coisas também correm de feição e a fome de golos é maior do que nunca.
Como descreve este início de época, apesar de todas as contrariedades?
Para já, tem sido um início de época fantástico. Não só pelos golos que marquei, mas por tudo o que temos vindo a passar e por tudo o que o grupo tem superado. É uma coisa incrível.
Foi muito difícil o início da temporada, depois da descida da I Liga? Como é que o balneário viveu as primeiras semanas de trabalho?
O início é sempre complicado. Tínhamos alguns jogadores que estavam na I Liga meses antes, como eu, o Mano, o Nuno Pinto, o Mendy, o Mathiola... Depois acontece o que acontece ao Vitória, desce para o Campeonato de Portugal, e essa transição foi muito complicada. É tudo diferente, as condições, o acompanhamento... Mas temos sido fantásticos, foi bom os jogadores mais jovens terem compreendido que era uma boa situação para eles e, com a nossa ajuda, estão a revelar-se parte do nosso grupo.
O que é que o motivou a ficar? É um apaixonado pelo clube, mas certamente teria propostas para jogar em níveis acima...
Tive algumas propostas, aqui em Portugal, como fora, inclusive da Índia, onde já joguei. Como tinha três anos de contrato com o Vitória, que é o clube que eu amo, senti-me no dever de tentar ajudar o clube no momento que mais precisava. Então, nós, os capitães, íamos falando todos os dias e decidimos ficar para ajudar o clube a chegar novamente ao seu lugar, que é a primeira divisão.
O Zequinha é um dos mais experientes do plantel. Qual é a sua relação com os mais jovens?
Acredito que os mais jovens nos vejam como referências. Não só por sermos capitães, mas por tudo o que já fizemos, por todos os jogos na I Liga. Se calhar nunca lhes passou pela cabeça jogar connosco, somos um exemplo para eles e cada vez mais eles sentem o Vitória. Porque nós transmitimos essa mística e os meninos têm sido fantásticos.
Mesmo com salários em atraso, o Vitória lidera a Série H. Como é que se motiva um balneário que não recebe ordenados?
É complicado, muito difícil. Estamos a falar de quase seis meses sem receber, é metade de uma época. A nossa motivação está no orgulho que temos na nossa profissão, de representar este emblema com tantos anos de história. É uma motivação extra jogar e treinar todos os dias para ver se levamos o clube ao seu devido lugar. E, se acontecer, vai aparecer o dinheiro. Estamos a fazer o nosso trabalho, mas é muito complicado estar sem receber, porque temos família.
Se a situação tardar em resolver-se, até onde pode ir o plantel?
É muito complicado. Se todos tivéssemos uma vida com muito dinheiro, tranquilos, ficávamos sem receber um ano, que fosse, a tentar ajudar o clube. Assim, tendo contas para pagar, com filhos que têm de comer e estudar, torna-se complicado... O mais certo é que, se não arranjarem solução, os jogadores queiram ir embora, porque a vida continuar e as contas continuam por pagar. Vai ser difícil, Deus queira que não, mas não vamos ser hipócritas. Se assim for, vamos ter de sair do Vitória.
O que pensa da direção que cessou funções recentemente? O que é que falhou?
Eles tinham as ideias deles, ao início parecia serem ajustadas. Mas quando se promete muito e, entretanto, nada se faz, as pessoas começam a duvidar. Depois houve várias guerras em que eles não deviam ter entrado. Abriram guerra com o grupo de trabalho, sendo que nós não tínhamos culpa de nada. Foi um dos problemas deles, mas desejo muita sorte, não guardo rancor a ninguém. Tentaram fazer o melhor e não conseguiram. Agora que venha alguém para ajudar.
O que é preciso para o Vitória regressar aos profissionais? Como é se pode garantir estabilidade?
É preciso entrar alguém credível, que não venha com mentiras, que venha para ajudar, sabendo de toda a situação que o clube atravessa. Esse é o primeiro passo. O segundo é apostar mais na formação, sempre fomos um clube conhecido pela formação, mas há alguns anos deixou de se apostar e há muita qualidade. Em terceiro, jogar todos os jogos para ganhar, dignificar ao máximos os nossos adeptos, o clube e a cidade.
O Vitória pode subir de divisão este ano?
Qualidade temos. Jogadores experientes também temos alguns. Se calhar a equipa tem de se reforçar um pouco mais em janeiro, porque há vários candidatos à subida com o triplo do orçamento que nós temos. Há equipas com dois milhões de euros de orçamento. O Vitória tem 600 mil... O nosso foco é a subida, mas vamos ter uma luta difícil. Estamos preparados para tudo. Da mesma forma que temos encarado estes seis meses sem receber, estamos preparados para tentar a subida de divisão.
Tem cinco golos até ao momento. Pode ser o melhor marcador do campeonato? Tem esse objetivo?
Voltei a jogar na posição em que não jogava há muitos anos, que é ponta de lança. Na Seleção e no FC Porto jogava a ponta de lança. Depois, quando cheguei à I Liga começaram a pôr-me nas alas e deixei de ter o foco no golo, mas mais nas assistências. Só que a posição que eu gosto é a de ponta de lança. Voltei a jogar aí e agora o objetivo é fazer o máximo de golos possível. Ando com uma fome de golos incrível (risos). Às vezes, o Semedo até diz 'Mano, estás sempre a pedir a bola...'. Mas isso é porque eu quero fazer golos. Não tenho um número, uma meta a atingir, mas quero lutar por ser um dos melhores marcadores desta divisão.
Bisou no último jogo com o Juventude de Évora. Como descreve a homenagem que fez ao Paulinho?
É uma situação complicada. O Vitória tem passado por muitas e esta é mais uma. Foi um soco que nos deram. O Paulinho era uma pessoa incrível, estava sempre connosco, sempre disponível para ajudar. Tinha um coração enorme e era uma grande vitoriano. E deixou-nos da forma que foi... estamos aqui agora e não sabemos se estaremos no próximo segundo. Será sempre um dos nossos e foi uma homenagem mais que justa.
Se não subir de divisão, pensa continuar no Vitória?
Tenho contrato para esta época e mais dois anos. Agora tenho feito estes golos e, não vou mentir, tenho tido propostas. Já me ligaram muitos clubes. Eu quero muito continuar no meu clube, mas a situação não é fácil e quando não se recebe há seis meses é complicado. Quero continuar e peço a Deus que entre uma pessoa que consiga resolver os problemas do Vitória, que consiga cumprir como nós temos cumprido. Mas o futuro a Deus pertence.
Poderá sair em janeiro?
Nesta vida, podemos sair a qualquer momento. Quando se abre a janela de transferências, há contactos e os jogadores e os clubes tentam chegar a um acordo para o que for melhor para as duas partes.
Mesmo que saia, a intenção é voltar para penduras as botas em Setúbal?
O meu grande objetivo sempre foi esse. Posso sair, mas gostava de terminar a carreira no meu clube, com o estádio cheio - que isto da pandemia passe logo - e a agradecer por tudo o que fez por mim. Sempre foi um dos meus sonhos. Não sei se se vai concretizar, mas espero bem que sim. E que o Vitória esteja na I Liga.
Depois de terminar a carreira, o que se segue? Ser treinador é um sonho? E dirigente? Podemos vir a ter o Zequinha como presidente do Vitória?
Como presidente não sei (risos). Quero ficar ligado ao futebol. Nunca tive a ambição de ser treinador, mas quero ficar ligado. Ainda não sei como.
Se não fosse o futebol, o que seria a vida do Zequinha neste momento?
A minha vida foi sempre feita à volta do futebol. Tive de abdicar de muita coisa, porque ser jogador não é fácil. Abdiquei de tudo para seguir o meu sonho. É óbvio que tenho conversas com grandes amigos meus, temos em mente fazer algo mais. Mas ainda não gosto de falar sobre isso, pode não dar certo (risos). Vou ficar ligado ao futebol.
Leia a segunda parte da entrevista a Zequinha:
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