Dois catedráticos à mesa em Lyon: negociador irredutível, os dentes de Cissokho e promessa por cumprir
Pinto da Costa e Jean-Michel Aulas são os dois presidentes de clubes mais longevos da Europa. Do almoço nos Alpes em 2004 à transferência de dois portistas
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Pinto da Costa e Jean-Michel Aulas são os dois presidentes mais longevos da Europa, com trajetos que têm pontos comuns - ambos transformaram clubes em referências nacionais e europeias -, mas ao longo das carreiras enquanto dirigentes, esta é apenas a segunda vez que os seus clubes se defrontam a nível oficial.
Como Bernard Tapie empurrou Aulas para uma presidência que já dura quase 35 anos e na qual só despediu cinco treinadores a meio de uma época. Negociações por Lisandro e Cissokho foram duas.
Em 2004, o FC Porto levou a melhor na meta volante do percurso até Gelsenkirchen. Agora, com pelo menos 90 minutos para disputar, os franceses estão em vantagem. O reencontro em Lyon foi à mesa, no mesmo restaurante onde há quase 18 anos os dois se conheceram pessoalmente.
Pinto da Costa, a caminho dos 40 anos à frente dos dragões, gostou tanto que no dia seguinte voltou a Collonges-au-Mont-d"Or, junto dos Alpes, para repetir a experiência, servida pelo chefe Paul Bocuse.
"É um homem muito astuto, mas também muito cordial, muito humano, que administra o seu clube de uma forma familiar e relevante. Foi no Porto que vi a primeira instalação de uma clínica particular dentro de um estádio", contou um dia ao "L"Equipe", Jean-Michael Aulas, que assumiu a presidência do Lyon poucos dias depois de o FC Porto ter vencido a Taça dos Campeões Europeus, em Viena.
Foi outro "catedrático" que o desafiou em jeito de brincadeira para o dirigismo. Em 1987, Aulas era um convidado regular do programa "Ambitions", na "TF1", apresentado por... Bernard Tapie (na altura presidente do Marselha). Numa festa que se seguiu a uma das emissões, um jornalista questionou Tapie sobre quem, na sua opinião, poderia tirar o Lyon da 2.ª Divisão. A resposta foi manchete no dia seguinte. "Aulas, presidente do Lyon".
Foi o início de um "casamento" que ainda dura e que teve como ponto mais alto a conquista de sete títulos franceses consecutivos, no início deste milénio. Dois deles com o português Tiago a comandar o meio-campo.
Negociador irredutível e os dentes de Cissokho
No verão de 2009, o Lyon carpia as mágoas da perda da hegemonia - o Bordéus acabara de ganhar o campeonato -, perdia Benzema para o Real Madrid e Aulas procurou reagir investindo forte no mercado. Aos cofres da SAD portista foram parar 39 milhões de euros, mas as conversas com o amigo português não foram fáceis.
"As negociações por Lisandro e Aly Cissokho... Normalmente assinarias um acordo à noite e a verdade é que acabei por ficar lá dois dias. Estava impossível de assinar e eu estava desgastado. Ele [Pinto da Costa] tem know-how, sabe tudo. É um negociador irredutível", comentou, a propósito, o presidente do Lyon.
A história do lateral esquerdo tem episódios surreais. Apenas seis meses depois de chegar ao FC Porto, proveniente do V. Setúbal, a troco de 300 mil euros, Cissokho esteve com um pé e meio no Milan, mas alegados problemas de oclusão dentária fariam abortar o negócio. O jogador, mais tarde, negaria essa versão.
"Não tenho nem tive problemas de dentes. Os verdadeiros problemas foram financeiros. Isso foi apenas uma forma de encobrir a história", contou. Gorada a hipótese de ir para Itália, o defesa teve hipótese de regressar pela porta grande ao seu país. À cautela, antes de formalizar o negócio, o Lyon enviou um médico à Invicta.
Promessa por cumprir, apesar da paciência
Se Pinto da Costa já conduziu o FC Porto a sete troféus internacionais, o máximo que Aulas conseguiu foi vencer a Taça Intertoto, em 1997. Isto, apesar de em 2002 ter prometido a conquista de uma Champions no espaço de três anos. O mais perto que esteve de isso acontecer foi em 2009/10 - com Cissokho e Lisandro - e 2019/20, quando caiu nas meias-finais, em ambas as ocasiões aos pés do Bayern de Munique, que o FC Porto tinha derrotado em 1987.
"Não me vou embora sem trazer uma Liga dos Campeões ao Lyon. Por isso, estamos a tentar garantir, mesmo na tempestade, os ingredientes para continuar a investir e chegar onde precisamos", atirou, em tempos, Aulas, com uma confiança que ainda não contagiou a equipa.
Nem mesmo uma paciência digna de Job com os treinadores, pouco comum no mundo do futebol, deu frutos a esse nível. Denis Papas, Guy Stephan, Bernard Lacombe, Hubert Fournier e Sylvinho foram os únicos que despediu a meio de uma temporada. Também por isso, no ano passado, a "France Football" considerou Aulas como o melhor presidente da história de um clube francês.
No futebol feminino, do qual é acérrimo defensor, a conversa é outra: já conquistou sete Liga dos Campeões. "Um jogo de futebol feminino dura mais do que um jogo de futebol masculino. Não estamos a tentar enganar o árbitro de forma alguma, não há disputa e o tempo médio de uma partida é cerca de 14 a 16 por cento a mais do que o tempo de um jogo masculino", atirou.